terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A palo seco

João Cabral de Melo Neto.

A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
...que onde sobe o silêncio;
é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.

A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;
cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ema Regininha

Já que tirei o dia pra rodar com as celebridades e visitei o Ego, encerro a saga falando de Harry Potter. Emma Watson, que interpreta Herminone (não trabalhamos com o adjetivo 'bruxinha'), virou mesmo o grande frisson da saga. Sabe como é, né? A pessoa despreza qualquer primeira página de tablóide inglês e todos os tablóides a colocam sempre em destaque. Não fala sobre a vida privada e basta um saidinha pra padaria que o trapo que a pessoa veste vira objeto de estudo na Vogue. Se ela pensou em largar a carreira e, sei lá, virar cirurgiã, o nome é citado 5 milhões de vezes no google nas primeiras horas e haverá quem diga que existe uma ameça coletiva de suicídio. Ok, that's fine.

Do trio, ela foi a mais talentosa. A mais simpática e a que, aparentemente, tinha absoluto domínio sobre cada passo da carreira. Controlou tudo.  Exatamente por essa cisma, perseverança e certa resistência sempre rolou aquele expectativa de quando publicariam fotos dela com pó no nariz, calcinha deixando tudo à mostra, furtos em lojas de biquinis e loucuras absurdas que perfazem o cotidiano de Lindsay's, Britney's e Amy's. Perdeu, playboy, não rolou nada disso. 

Daí que ela também entendeu que nada mais agradável do que celebridade que mostra personalidade. Que , saliente-se, efetivamente mostra personalidade. Pronto, foi lá e picotou o cabelo. Ficou lindo. Igual ao cabelo de quase todo mundo que acorda e quer testar o efeito da tesoura no cabelo. Tá, continuou lindo. Mas agora me diz: ela tá ou não tá na pegada sou-anos-70-vim-aqui-nesse-festival-cantar-uma-canção-de-Belchior: Como os Nossos Pais. Numa boa, Elis com 18 anos.

Tão complexo quanto o alemão

Depois que a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão descobriram que o Brasil tinha um Estado e, sobretudo, passado o fulgor dos aplausos da zona sul diante da extirpação do grande mal da Cidade Maravilhosa, eis o momento de conceder as honrarias da casa ou da ocupação para as grandes estrelas de Osso Duro de Roer. Pela TV, protegido com colete a prova de balas - porque evidentemente em tempos de 3D a gente nunca sabe se a bala perdida pode achar o caminho do espectador- assisti ao desfile da competência e ouvi os discursos daqueles que tem vasto conhecimento em sociologia da Violência, repressão, consumo de drogas, narcotráfico e desigualdades sociais. Vamos às condecorações.

Marcos Uchôa: Cansado de mostrar a troca de guarda da Rainha, dos dias frios e cinzentos, optou por algo mais caloroso e emocionante nos trópicos. Depois de aportar na Baía de Guanabara, entrou numm tanque de guerra com a nobre missão de mostrar o quão difícil e inóspito era o interior da máquina: calor, balanço e excesso de homens fedidos. Diante dessa pauta importante  presenteou, com esse mesma boca de quiquita da foto, o país ao virar a estrela máxima do seriado: No Caminho dos Traficantes.: da Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão, dirigido por Jaime Monjardim, escrito por Sílvio de Abreu, baseado na obra quase homônima de Glória Perez. "O que você viu Uchôa?" "Encontrei pegadas , vestígios- Jurassic Park? -, encontrei cartuchos - hummm -, encontrei bonés e pedaços de camisas - quase o Bazar dos Nômades-, foi um clima de tensão - hummmm. A gente não sabia quem ia encontrar no final do caminho - o pote de ouro, talvez -  se o BOPE ou se os traficantes. A casa de luxo desse traficante - aquela que tinha a foto de Justin Bieber na parede e um piscina de fibra na laje?- deveria ser uma UPP. É simbólico, é simbólico, e deveriam ser distribuídas senhas pra essas crianças brincadeira na água". Vamos abrir uma Emenda Constitucional com essa proposta. 

Lílian Teles: Depois de meter a cabeça embaixo dos escombros em Porto Príncipe, de entrevistar soldados do exército em pleno combate com o narcotráfico e de acompanhar a invasão lado a lado, mãozinha com mãozinha com o Bope, a repórter, que já usa colete a prova de balas no lugar de sutiã flúor, trabalhará sem folgas, sem feriados ou férias em 2012. A expectativa é que ela cubra o fim do mundo. 



Ana Maria Braga: Ela assusta mais as nossas manhãs do que traficante fugindo com fuzil na mão. Conversa com um boneco de pano, se veste de Madonna, católica fervorosa, mulher batalhadora e fez parte do movimento Cansei - quando ricos brasileiros, cansados da vida dura e difícil que levavam, marcharam sobre  a Daslu com placas de diamantes externalizando o seu pesar e descontentamento com a nação e com as injustiças. O lema de sua vida será cantado por ela num duo com Sérgio Reis. Durante a guerra ao terror, tem se mantido firme no papel de Paladina da Paz. Sabe cozinhar um tema com os mesmos métodos seculares de fazer feijão com arroz. No Mais Você, ela analisou friamente o contexto do Rio de Janeiro: "Isso é uma afronta!" "Bandido é Bandido" "Vá visitar a Igreja da Penha, doe brinquedos pras crianças. Pode ser boneca velha, eles reformam. Vamos ajudar a transformar a realidade desses meninos e meninas - transformar a realidade com bonecas velhas? -. E se tiver medo, mande alguém - entenda 'alguém' como sua empregada que mora ali perto-" e, por fim, "Eu subi e desci o morro - praticamente Clementina de Jesus-"


Paula Toller: Para finalizar, a ex-Kid Abelha, a ex-cantora que teria um futuro promissor, escreveu no Twitter a sua felicidade em ver a união da Polícia Civil, Militar, Rodoviária, Federal, Exérctio, Marinha, enfim, no combate ao narcotráfico. "Nunca antes vi discurso de governo,polícia,fças armadas, intelectuais, imprensa e população tão afinados. Estará a virada,enfim,acontecendo?" Quer dizer, né, minha gente, quando a pessoa passa uma vida fazendo aquilo que ela tem prazer em fazer e outras cositas más (dá um saque na foto acima) e vem com esse papo de virada acontecendo a única coisa que cabe na minha cabeça é: REHAB. Pois diz Saint-Exupéry: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

Cláudia Leitte

Esse não é um blog de moda tampouco se trata de um dos comentários dos fãs chatos e, não raras as vezes, pouco inteligentes de Ivete Sangalo que travam um cruzada contra a 'rival' sem pé nem cabeça. Mas, alguém, sinceramente, pode me explicar como uma pessoa se olha no espelho e se acha pronta pra subir num trio elétrico usando esse conjuntinho cujo destaque é essa tendência bela chamada sutiã flúor? Senta lá, Cláudia. E tira isso, por favor.

Dezembro


Dezembro é uma sexta-feira com 31 dias.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Conforme o ritmo.



Um escritor que faz você se sentir bem depois de ter lido cinco páginas que variam de alhos para bugalhos sem te dizer absolutamente nada e, no parágrafo seguinte, dá uma risadinha mafiosa do tipo: “Tudo o que escrevi até aqui é rigorosamente desnecessário para o que vou contar” não é tão somente um escritor. É um dominador de mentes. Assim, no sentido cru, duro e sem nenhum respaldo científico – até porque psicologia está mais para Domingo do Faustão do que para ciência. Puros gracejos que debocham na cara do leitor, saltando-lhe os olhos com certa empáfia, sem correr o mínimo risco do espalhafatoso ou da ojeriza generalizada, exigem técnica apurada com doses de malícia e risadinhas de canto de boca. Com esse arsenal, na literatura brasileira, só conheço um: Machado de Assis.

Em Histórias Sem Datas, livro de crônicas que acabei de recostar na estante, ele surpreende. As narrativas são tiradas da realidade. Da realidade que existe na cabeça do pensamento Machadiano. Ou seja, um turbilhão delas, todas misturadas, ultrapassando a mera interpretação daquilo que comumente se distingue entre o real e o irreal, a verdade e a fantasia. Como num mergulho a esse universo, tudo ali se des - assenta de tal forma que qualquer pessoa pode legitimamente sentir que está diante de um tratado sobre a loucura ou de um manuscrito escrito por um louco. Nada ali parece fazer muito sentido, ter muitas conexões com o que existia naquele Brasil do final de 1800. Mas, claro, aí nesse acesso de insanidade nasce o fundamento de sua obra e as maneiras que Machado utilizou para falar de, sei lá, um par de botas, de forma completamente universal.

Universal e atemporal. Conhecendo um pouco das suas obras, dificilmente ele escreveria um livro com esse título se, de fato, acreditasse na probabilidade de que seu texto pudesse ser datado. Datado pela época ou pela própria decadência que perfaz a humanidade. Não se trata efetivamente de uma visão fatalista, fixada nos construtos do determinismo. Tampouco se é uma previsão rasa baseada na crendice de que a humanidade não tinha e também não terá jeito, logo tudo o que está escrito ali se torna do mundo e de todos para sempre. O que pensou, conjecturou, se fundamenta no profundo rigor com o qual analisava as pessoas, em todas as partes, no seu íntimo, no seu coletivo, nas suas esferas de pertencimento e de existência. Pois bem, tanto conhecimento, leitura, excesso de sensibilidade e medidas razoáveis de genialidade e dom (sim, porque ninguém aqui pode acreditar que todo mundo pode ser qualquer coisa se educado para isso) é o que permite deboches tão simpáticos como aqueles citados no comecinho do texto. Atinge sua alma e, se ele tiver com a minha, deve doer mais do que exame de sangue. Ou menos, já que agulha nenhuma me fura desde 1998.

Fato que falar, falar e falar, para depois dizer: você nem sabe o que eu vou dizer ou o que eu sou, dialoga perfeitamente com o meu ideal de vida. Quer dizer, a melhor maneira de manter o íntimo preservado é se expondo. Porque, consciente dessa tarefa, você a executa da forma como lhe é conveniente, criando representações do que bem deseja, do que bem quer e de como quer, saliente-se. E, pra evitar contrapontos do gênero você-não-é-você-mesmo ou isso-não-é-muito-original, devo confessar que a melhor maneira de se auto-pertencer (nossa, estou profundo) é pertencendo aos outros exatamente da forma e da medida que você gostaria de ser pertencido. É isso, faz tanto sentido quanto o livro de Machado, mas, sob hipótese algum, o sentido poderia ser mais claro.

Abaixo trechos que eu selecionei com critérios mais frouxos do que a vontade de comer temaki num sábado à noite.

Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olhas; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dá. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

- Já vos disse que não.

- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. (Página 15)

“Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Página 77).

“Tinha obrigações morais com a sociedade; ninguém se pertence exclusivamente; daí um pouco de dispersão dos seus cuidados. A verdade é que tinham vivido demasiadamente reclusos; não era justo nem bonito. (...). Este foi, talvez, o ponto mais fraco da vida do meu amigo. Não tinham idéias políticas; quando muito, dispunha de um desses temperamentos que substituem as idéias, e fazem crer que um homem pensa, quando simplesmente transpira.” (Página 104)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Adeus, novembro!


Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires.

|.(Machado de Assis me consome).|

Abertura de Exposição

Quem tem interesse?

Uma oferta sempre é melhor do que a outra. NOT


O meu recado para o Clube Urbano ou Peixe Urbano fica nessa charada de Xuxa Monangel. Quem descobre?


Sem data


Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Machado de Assis, Histórias Sem Datas)


domingo, 28 de novembro de 2010

Bom dia, Comunidade!


Mesmo com toda a decadência, ainda crio comunidades exclusivas. Isto é, que só eu entro. Essa se chama "Compreendo.". É uma homenagem justa a essa carinha de Compreendo. que Caê Veloso sabe fazer como ninguém. Significa que algum ser ululante despejava excesso de informações e de peripécias desimportantes diante dele ao passo que a única resposta plausível, boa e oportuna que se pode dar é: Compreendo. Eu passo por isso sempre. Rolou um reconhecimento total da foto, com o tema, com a situação.

Foto: Renata Alves? Alexandre Senna? Gilvan Reis? Não sei, mas é do tempo em que celebridades escandalizavam na falecida Boomerangue, no Rio Vermelho, aqui em Salvador.
Comunidadehttp://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=107290944

Minha alma chora...


...vejo o Rio de Janeiro 

Bença


Numa das passagens mais nostálgicas de Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, o escritor moçambiquense, Mia Couto, escreveu: “Não quero sair nunca mais, o mundo já não tem mais beleza”.  As palavras proferidas pelos antepassados africanos e o pesar com o desaparecimento das coisas simples despertou todos os personagens da narrativa para o início de uma caminhada: a caminhada do redescobrir-se. Redescobrir, nos rituais do cotidiano e no nosso pertencimento com a humanidade, tudo aquilo que foi capaz de conferir sentido e leveza à nossa existência. É dessa mesma fonte de inquietude, da mesma sabedoria dos pretos/as velhos/as, e também da necessidade de enfrentar o esquecimento, agarrando nas mãos a memória dos sábios, é que Bença, a nova montagem do Bando de Teatro Olodum, em cartaz desde o dia 5, no Teatro Vila Velha, nos pede passagem para outro tempo.  

Quando se completam 20 anos de trajetória exitosa, tendo se tornado um dos grupos teatrais mais consolidados da Bahia, falar do tempo, dos tempos, soa como uma feliz ironia.  Um momento oportuno para deixar que os mais experientes falem, transmitam ensinamentos. O mote inicial para essa reflexão se expressa no próprio nome do espetáculo. A bença/ benção é o gesto afável, antigo, de reverenciar os mais velhos, pedindo e, ao mesmo tempo, compartilhando um desejo de proteção, de carinho, de amor. O argumento aqui é que esse pequeno ritual, até bem pouco tempo atrás tido como corriqueiro, natural e nem por isso menos importante, já não encontra eco nas gerações mais novas. É um legado que, aos poucos, vem se perdendo do mundo face à rispidez, a racionalidade produtivista, ao individualismo exacerbado, enfim, face à perda da própria essência humana.

A partir desse sentimento de perda, de uma sociedade que, de alguma maneira, desaprende e ojeriza sentimentos em nome de valores fluidos, passageiros, se constrói a narrativa. Com os atores em cena durante toda a peça, as situações vão surgindo para tratar de variadas experiências: os velhos que contam histórias para os seus netos, os netos que tem pressa e vontade de fazer tudo no mesmo instante, a juventude que não aprecia o fruto colhido de uma árvore, os adultos que confundem o sagrado com crendice leviana, a miséria e a dor de um povo sofrido, e a eterna luta desesperada pela vida – para senti-la na sua intensidade.

Evidente que todas essas relações se amparam invariavelmente na questão racial, o que não chega a surpreender em se tratando do Bando e do próprio Márcio Meirelles. No palco essa discussão ganha forma: são duas projeções, um vão livre no centro, atabaques, agogôs, turbantes, colares, roupas brancas e uma mistura rítmico-cênica que remete a uma cerimônia do candomblé. Depois de Cabaré da Raça e Ó pai Ó, marcos importantes na dramaturgia baiana, pintadas com a cor, sofrimento e alegria dos negros, Bença toma rumo diferente da denúncia social e do processo de invisibilidade que acomete a negritude – o que não significa, sob hipótese alguma, ausência desses aspectos. Agora, o principal volta-se para o íntimo do ser humano, para as suas crenças, seus ritos e entendimentos sobre a inexplicável experiência que é viver.  Assim é que as marcas que geriram e aglutinaram uma identidade ao grupo se transformam dentro da sua própria matriz, sem se perder.

Enquanto as canções e o texto desenrolam-se nas projeções, colocadas nas extremidades, outros atores aparecem colocando doses de realidade à ficção ou apenas atenuando as fronteiras que porventura existam entre esses dois universos. Quase simultaneamente Makota Valdina, Bule-Bule e outras personalidades negras depõem, sem cortes do entrevistador, sobre esse mundo em transformação e sobre os costumes essenciais do passado. E a ideia embutida na bença, que envolve, sobretudo, respeito, passe a ser o fio condutor das falas. São esses atores, doutores sem diploma, de conhecimento apurado, que perfazem, sem serem didáticos ou clichês, dois dos principais recados do texto: não é possível ter tudo ao mesmo tempo e as gerações mais jovens precisam ter tranqüilidade e paciência para o (re) aprendizado.

As projeções cumprem também a função de ampliar consideravelmente as muitas experiências que o público pode ter assistindo ao espetáculo, deixando claro que não é possível, numa única vez, absorver tudo o que foi apresentado.  Embora fique a percepção de que é possível revisitar a peça sobre outra perspectiva completamente diferente, até mesmo mudando de posição no teatro, esse excesso de informações eventualmente cansa. Em todos os cantos algo inusitado está acontecendo, alguém está expondo os pensamentos e o espectador tem o seu foco e concentração repartidos e quase dispersados. O áudio de alguns trechos também dificulta o entendimento da história, o que é desagradável, especialmente, numa peça em que a narrativa não é linear.

Sem os habituais agradecimentos ao público, os atores se retiram um a um do palco. Até então fica a dúvida se de fato o espetáculo efetivamente terminou. Assim, com as luzes ainda apagadas, os espectadores também se encaminham para a saída, um a uma, de acordo com o seu tempo. Nesse final discreto, nem a vida nem arte que pode imitá-la acabam, apenas continuam em outros espaços e em outros tempos.

Hoje é o último dia. Corre lá!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um abraço negro

Gostei dessa foto. A ideia era flagrar o velhinho dormindo enquanto metade dos presentes denunciavam as mazelas das comunidades quilombolas. Daí, ficou algo meio bob marley, meio mãe estela, meio che guevara. A vida real e de viés.

sábado, 20 de novembro de 2010

Eia Zumbi

 O dia é de Zumbi, o texto é de Vírginia, a foto é minha.

"Vivemos nossas vidas, fazemos nossas coisas, depois dormimos - é simples assim, comum assim. Alguns se atiram da janela, outros se afogam, tomam pílulas; muitos mais morrem em algum acidente; e a maioria de nós, a grande maioria, é devorada por alguma doença ou, quando temos muita sorte, pelo próprio tempo. Existe apenas isto como consolo: uma hora, em um momento ou outro, quando, apesar dos pesares de todos, a vida parece explodir e nos dar tudo o que havíamos imaginado, ainda que qualquer um, exceto as crianças (e talvez até elas), saiba que a essa seguir-se-ão inevitavelmente muitas outras horas, bem mais penosas e difíceis. Mesmo assim gostamos da cidade, da manhã, e torcemos, como não fazemos por nenhuma outra coisa, para que haja mais." (Virginia Woolf)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Salvador em Cena

Fazer uma resenha de teatro é muio pior do que eu pensava. Essa foi a primeira, vale essa ressalva já como um pedido de desculpas. Até porque elogiei demais a peça e ela tem alguns probleminhas sérios. Sem contar que só me sinto apto a falar do conteúdo e da estrutura da narrativa. Muito pouco dos atores, interpretação, cenografia e coisas técnicas do gênero. Vamos aprendendo, não é mesmo? Depois acessem o www.salvadoremcena.com.br .

Trilogia Shirley usa o humor para desnudar a família

Por Gilvan Reis
Na moderna família brasileira sobram aparências e faltam essências. É esse o principal recado deTriologia Shirley, em cartaz no Teatro Módulo desde aúltima quinta-feira, dia 4. Levar aos palcos o drama e a teia de mentiras que estruturam o cotidiano e os laços familiares é sempre um risco. Pode-se enveredar por uma trama recheada de clichês e de discursos políticos superficiais, beirando o maniqueísmo. O desafio de olhar a questão sobre outros prismas, para além do bem e do mal, da absolvição ou da condenação das pessoas envolvidas, é um exercício que exige no mínimo perspicácia – seja do autor, do diretor ou do corpo de atores.
Nesse momento, os 20 anos de experiência de Cláudio Simões funcionam sob medida. O diretor, cuja trajetória esteve sempre ligada à comédia – excetuando-se aqui duas passagens pela dramaturgia com teor político mais visível nas peças  e Nada Será Como Antes – dosa três histórias permeadas de sordidez e degeneração moral com humor. O humor, vale a ressalva nesse caso, ao invés de descambar para a galhofa ou para picardia generalizada é um mecanismo para que o espectador aceite com mais facilidade e menos pesar o que está sendo exposto. É também uma concessão gentil do diretor, que permite ao público o reconhecimento de si e de suas vivências no enredo sem que isso soe como uma ofensa gratuita, despropositada.
Simplesmente Shirley, Totalmente Shirley e Finalmente Shirley, são costuradas a partir de alguns eixos: pais embevecidos pelo poder e dinheiro, filhos quase sempre dependentes, imaturos e excessivamente carentes e empregados reproduzindo fielmente laços escravagistas com direito, inclusive, a rebelar-se. Tudo isso perpassando questões como gravidez precoce, homossexualidade, violência sexual, casamentos frustrados, mentalidade ultra-conservadora, traições e uma disputa acirrada pela sobrevivência no mundo cão.  Assim é que o convite para entrar nesses lares deixa a mostra que, mesmo diante de uma guerra, mesmo com o mundo inteiro desabando sobre a cabeça das pessoas, nunca se deve esquecer da reputação, da boa imagem e, evidentemente, do brinde de champagne no grande final.
De repente, não mais que de repente
Uma vida pacata, quase asséptica, irretocável pela moral e pelos bons costumes que zelam uma época. De repente, a visita de um amigo ou uma gravidez indesejada com um comunista, fazem ruir os frágeis pilares de um núcleo familiar. A partir daí, tudo se degringola numa sucessão de fatalidades que naturalmente só podem conduzir a mais desequilíbrio. As surpresas no texto são – e precisavam ser – sempre desagradáveis, tecidas com requintes de uma loucura aceita e compartilhada pelos personagens e pelo público.
Nas três casas, todos os nomes começam com a letra ‘S’. Entram em cena Sílvia, Sarah, Simão e outro punhado de personagens. Shirley, entretanto, nunca aparece. Mas o seu não comparecimento não diminui o seu protagonismo. Ela é sempre o contraponto. É a criança ou a mulher que se torna o elemento capaz de trazer um pouco de lucidez aos envolvidos nos episódios. Shirley funciona como o chamado que move a vida dos que ali se apresentam. É dessa maneira que se constrói e se específica na sua totalidade: Simplesmente Shirley, Totalmente Shirley e Finalmente Shirley, que encerra a peça.
Nessa interação, a troca de cenários é o mote para que todo o elenco transforme seus personagens. Funciona como uma grande inversão: quem é filha vira mãe, a mãe passa a ser a filha grávida, a empregada passa a ser a patroa, etc. O mais sutil e irônico movimento é que alguns traços e trejeitos permanecem embutidos nos personagens independe da posição social que ocupe.
No momento em que se cultua o vale-tudo do besteirol, Trilogia Shirley, embora perca fôlego e nem sempre use da sutileza para provocar o riso, acena para um cenário não mais de resistência, mas de novas possibilidades para o teatro baiano. E é provavelmente esse o seu grande mérito.
Trilogia Shirley
Onde: Teatro Módulo (Av. Magalhães Neto, Pituba)
Período: Quintas, às 19h e 21h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15

Morreu poeta

Só soube hoje que  Ildásio Tavares, poeta baiano, um dos meus preferidos, morreu no começo de novembro. 

Não existe hora certa, existe o meu relógio,
Lembrando sempre com seu tic-tac
Que há vida
Para ser vivida,
Que houve a vida
Que não se viveu.
Não importa que o rádio renitente ruja
São tal hora e tal minuto
Hora oficial,
Afinal.
Que há de oficial em minha vida?

Somente,
Quebrando a paz exata deste espaço,
Levando a mim à frente, sem retorno,
A tiquetaquear meu ser-serei,
Existe o meu relógio, –
pulso falso,
Sensato solilóquio, lento certo,

Que canta
O canto
Do tempo
Que é meu

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dos que vivem


Por fim, entendeu que nenhum dos seus amores poderiam acabar.  Se existiram, teriam que enfrentar todos os desvarios de viver para sempre em horas flutuantes. Sabendo disso, encheu-se de um ligeiro contentamento: estava nos outros, atravessando ruas, assoprando vendavais, cortando tempos, respirando um único e todos os mundos de uma só vez. Era isso: amor.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Trilogia Shirley

Dai que Antônio Pitta, 'broder amigo', me colocou pra trabalhar no seu projeto de TCC. Evidente que a as preocupações e angústias dele não cabiam em si, logo nada mais oportuno do que jogar para os outros também. Exatamente o tipo de coisa que eu faria -  não é a toa que rola afinidade.

Não deu tempo de pensar muito para decidir. Como pretendo seguir o caminho da venda dos serviços corporais e como não sei dizer 'não' assim tão facilmente a um "broder amigo" que está na Universidade desde a invasão do campus em 16 de maio de 2001, aceitei o pequeno fardo. Gente, nunca fiz crítica de teatro na vida e agora aqui: http://www.salvadoremcena.com.br/ vocês poderão se iludir diante dos meus parcos conhecimentos e do meu embrotation artístico. Que fique claro que se não rolar ilusão, levanto da cadeirinha e continuo no lucro: nunca disse que poderia fazer o contrário. Mas então, gentchi lynda, acessa lá e ajuda.

Virá que eu vi

Caetano  é uma das coisas mais estupendas que esse recôncavo poderia inventar.  Dois dias seguidos assim me deixaram mal acostumado.Até Santo Amaro.


Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bença


Uma das peças mais bonitas desse ano é 'Bença', em cartaz no Teatro Vila Velha. Sutil, profunda e absolutamente comovente. Pra ficar horas pensando na vida, na sabedoria dos doutores sem diploma, nos pretos velhos, no tempo e no mar que vai e volta, volta e meia vem e vai. Corre lá, minha gente: é pura beleza!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Onde o sol nascente nem sempre é tão belo

Não precisa proibir o livro. Sítio do Pica Pau Amarelo tem passagens lindas. Agora só não queira me convencer que uma pessoa que sustenta uma sobrancelha dessas não é racista. Porque daí, né, o bigodinho de Hitler vira cicatriz de Harry Potter. So sweet.


Tá pensando que é bagunça?


Caetano Veloso por Anita Malfati. Eu sei essa mistura está mais pra Festival de Verão Salvador (Mistura Aê!) do que para a antropofagia cultural do Modernimo Brasileiro. É o vale-tudo pós-moderno.

das lembranças da tarde


Como uma sentença impronunciável, por guardar em si tanta verdade sem sabor de mundo, pensou no absurdo que era ter saudade do futuro. Mas era isso que sentia. Saudade de quem viria, das coisas que guardaria na estante do quarto, da varanda da casa, de pisar nas folhas secas do outono que chegaria, dos livros que cantariam versos. Saudade. Sim, era isso tudo.

Friday


Pelos caminhos que ando um dia vai ser. Só não sei quando

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Novembro

 
No dia de finados, nasce o verão.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Feriadão

  
Pásssaro vermelho pra quem tá todo trabalho no dia 31, 13. Confirma. Voar pra quem vai ficar na liberdade sexta, sábado, domingo, segunda e terça. Liberdade segunda, pra quem é do Ilê e do Curuzu. Curuzu pra receber João Bosco. Outubro pra quem gosta de calendário e verão pra quem gosta da vida. 

Beijos.

Jogo dos sete erros. Ou ASI SOY YO

 

Curiosas fotos.
Estou pura poesia. Estou pura cafonice. Aceito o risco. Como todo mundo que vive, aceito o risco.


O que o vento não levou...

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
São as únicas que o vento não conseguiu levar: 
um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mário Quintana

O que faz andar a estrada? 
É o sonho. 
Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. 
É para isso que servem os caminhos, 
para nos fazerem parentes do futuro.
(Mia Couto)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sendo como posso

Andei revisitando os Últimos Poemas. Eis Neruda.


Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Todo menino é um rei, eu também já fui rei


Extraído daqui: http://www.juliemorstad.com (via @jamateipormenos.apostos.com)

Transversal do tempo

Dentro daquela hora, se prendia. Parado, cercado pelos corpos e dizeres cansados do dia, pensou no que tinha sido até então. E tudo tinha ido assim, sem as paixões que preenchem de desejos os livros encarcerados. Se era certo que não havia sido arrastado para aquele caminho, também afirmava que jamais havia feito escolha alguma, nenhuma decisão tomada ao seu contentamento. Eram no fim, pensava, dos desvarios dos destinos que padecia. 

Naquele instante, naquela cidade, subia-lhe à face o ar quente ejaculado da terra. Os olhos iam engolindo a poeira, como num ritual em quese anestesia a raiva somente para existir. Agora, tendo diante de si duas folhas vazias de sentimento, resolveu por enfrentar coisa alguma: soprou tudo pela janela, pela janela que dava no mundo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Los Hermanos


Quando se convive com pessoas impulsivas, ricas e, por conseqüencia, altamente persuasivas, a gente acaba nunca entendendo ao certo como saimos do trabalho às 18h, com a pretensão de chegar em casa e dormir lendo poesias de Manuel de Barros, e acabamos no Beco da Rosália, bebendo, comendo pizza, falando de física quântica e de  Dilma31. No meio do caminho, um show de Los Hermanos. Visto, revisto, cantado e relembrado. A segunda-feira trouxe a vida em dose dupla e com cheiro de recomeço.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

José Serra versus Joãozinho


Pra rir um pouco nessa sexta-feira e pedir que Oxalá nos afaste desse vampiro.  

Serra foi a uma escola conversar com as criancinhas acompanhado de uma comitiva do Jornal Nacional, da Veja e da Folha de São Paulo. Depois de apresentar todas as maravilhosas propostas para seu governo (se eleito), disse às criancinhas que iria responder perguntas. Uma das crianças levantou a mão e Serra perguntou:

- Qual é o seu nome, meu filho?

- Paulinho

- E qual é a sua pergunta?

- Eu tenho três perguntas. A primeira é: Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney?? A segunda é: Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay/Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso, onde o senhor passou o Réveillon??? E a terceira é: O que o senhor fez com os 10% da propina da compra de 891 ambulâncias na época em que era ministro da Saúde?

 Serra fica desnorteado, mas neste momento a campainha para o recreio toca e ele aproveita e diz que continuará a responder depois do recreio. Após o recreio, Serra diz:

-OK, onde estávamos? Acho que eu ia responder perguntas. Quem tem perguntas? 

Um outro garotinho levanta a mão e Serra aponta para ele, sorrindo para as câmeras da Globo.
 -Pode perguntar, meu filho. Como é seu nome?

 -Joãozinho, e tenho cinco perguntas: A primeira é: Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney?? A segunda é: Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay / Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso onde o senhor passou o Reveillon??? A terceira é: O que o senhor fez com os 10% da propina na compra de 891 ambulâncias na epoca em que era ministro da Saúde? A quarta é: Porque o sino do recreio tocou meia hora mais cedo? A quinta é: Cadê o Paulinho?

Sexta feira

Tem que saber que eu quero correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
Todo dia, todo dia.