No dia de finados, nasce o verão.
O primeiro atingiu a pálpebra esquerda, trazendo-lhe o desconforto de estar no mundo. O outro caiu vertiginosamente contra a estrada que seguia. Vendo-o se transformar em nada, se desfazendo diante daquilo que poderia ser a imensidão, sentiu o infortúnio de rasgar-se em vida. E agora que existia, poderia contar algumas histórias
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Viver a vida

Na semana da Consciência Negra, Manoel Carlos deu o seu recado para a militância e simpatizantes da causa: continua tudo igual. Para não cair no sectarismo, quase tudo igual. A mucama comete um crime do qual não é culpada, pede perdão à senhora e, não suficientemente humilhada, se ajoelha para receber uma bofetada violenta. A personagem açoitada chama-se Helena, nome cuja tradição nos nossos canônes literários e televisivos remete a uma senhora branca e elitista. A cena se desenrola com hostilidade e com uma ameaça velada: ou se comporta ou vai pro tronco.
Não, a novela não se passa no século XVII. A Helena, de Manoel Carlos, é uma mulher pós-moderna e pós-racial. Aqui os rótulos não são meramente adjetivos, mas uma liguagem extremamente refinada, pensada e naturalizada para esconder o racismo estruturante e celebrar, sem o menor constrangimento, o mito da democracia racial. Escapando do combate, Gilberto Freire vive. Talvez o maior celeuma deixado de legado pelo episódio é o reforço veemente à ideia de que o senso de justiça, que nesse caso nem existe, é muito superior as questões raciais, e que, consequentemente, são dois polos intocáveis. Ora, é a história e o presente que nos mostram o quanto esses elementos estão tão intimamente vinculados ,que é impossível dissociá-los sem afetar consideravelemente o outro.
Manoel Carlos despreza estupidamente a realidade em nome de sua ficção que, curiosamente, se pretende ser realista. Respeito a licença poética e a criação, embora não respeite o silêncio frente ao racismo. Poderíamos mesmo imaginar o contrário? Subverter essa relação? Se a negrinha estivesse no lugar de Tereza, e o golpe fosse desferido contra a mulher branca, a moral e os bons costumes mandariam surrá-la na primeira esquina. E, como no Leblon, as pessoas confundem atores com personagens, Thaís Araújo correria o risco de ser massacrada na vida real. Essa sempre foi a forma deles de sufocarem o que é da ordem da historicidade. Foi o negro brutalmente escravizado e ojerizado. E foi também, na dura resistência de 5 séculos, que estamos vivos pra contar uma outra novela. O tapa foi dado em Helena, mas doeu em todos nós.
Não, a novela não se passa no século XVII. A Helena, de Manoel Carlos, é uma mulher pós-moderna e pós-racial. Aqui os rótulos não são meramente adjetivos, mas uma liguagem extremamente refinada, pensada e naturalizada para esconder o racismo estruturante e celebrar, sem o menor constrangimento, o mito da democracia racial. Escapando do combate, Gilberto Freire vive. Talvez o maior celeuma deixado de legado pelo episódio é o reforço veemente à ideia de que o senso de justiça, que nesse caso nem existe, é muito superior as questões raciais, e que, consequentemente, são dois polos intocáveis. Ora, é a história e o presente que nos mostram o quanto esses elementos estão tão intimamente vinculados ,que é impossível dissociá-los sem afetar consideravelemente o outro.
Manoel Carlos despreza estupidamente a realidade em nome de sua ficção que, curiosamente, se pretende ser realista. Respeito a licença poética e a criação, embora não respeite o silêncio frente ao racismo. Poderíamos mesmo imaginar o contrário? Subverter essa relação? Se a negrinha estivesse no lugar de Tereza, e o golpe fosse desferido contra a mulher branca, a moral e os bons costumes mandariam surrá-la na primeira esquina. E, como no Leblon, as pessoas confundem atores com personagens, Thaís Araújo correria o risco de ser massacrada na vida real. Essa sempre foi a forma deles de sufocarem o que é da ordem da historicidade. Foi o negro brutalmente escravizado e ojerizado. E foi também, na dura resistência de 5 séculos, que estamos vivos pra contar uma outra novela. O tapa foi dado em Helena, mas doeu em todos nós.
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