quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Salvador em Cena

Fazer uma resenha de teatro é muio pior do que eu pensava. Essa foi a primeira, vale essa ressalva já como um pedido de desculpas. Até porque elogiei demais a peça e ela tem alguns probleminhas sérios. Sem contar que só me sinto apto a falar do conteúdo e da estrutura da narrativa. Muito pouco dos atores, interpretação, cenografia e coisas técnicas do gênero. Vamos aprendendo, não é mesmo? Depois acessem o www.salvadoremcena.com.br .

Trilogia Shirley usa o humor para desnudar a família

Por Gilvan Reis
Na moderna família brasileira sobram aparências e faltam essências. É esse o principal recado deTriologia Shirley, em cartaz no Teatro Módulo desde aúltima quinta-feira, dia 4. Levar aos palcos o drama e a teia de mentiras que estruturam o cotidiano e os laços familiares é sempre um risco. Pode-se enveredar por uma trama recheada de clichês e de discursos políticos superficiais, beirando o maniqueísmo. O desafio de olhar a questão sobre outros prismas, para além do bem e do mal, da absolvição ou da condenação das pessoas envolvidas, é um exercício que exige no mínimo perspicácia – seja do autor, do diretor ou do corpo de atores.
Nesse momento, os 20 anos de experiência de Cláudio Simões funcionam sob medida. O diretor, cuja trajetória esteve sempre ligada à comédia – excetuando-se aqui duas passagens pela dramaturgia com teor político mais visível nas peças  e Nada Será Como Antes – dosa três histórias permeadas de sordidez e degeneração moral com humor. O humor, vale a ressalva nesse caso, ao invés de descambar para a galhofa ou para picardia generalizada é um mecanismo para que o espectador aceite com mais facilidade e menos pesar o que está sendo exposto. É também uma concessão gentil do diretor, que permite ao público o reconhecimento de si e de suas vivências no enredo sem que isso soe como uma ofensa gratuita, despropositada.
Simplesmente Shirley, Totalmente Shirley e Finalmente Shirley, são costuradas a partir de alguns eixos: pais embevecidos pelo poder e dinheiro, filhos quase sempre dependentes, imaturos e excessivamente carentes e empregados reproduzindo fielmente laços escravagistas com direito, inclusive, a rebelar-se. Tudo isso perpassando questões como gravidez precoce, homossexualidade, violência sexual, casamentos frustrados, mentalidade ultra-conservadora, traições e uma disputa acirrada pela sobrevivência no mundo cão.  Assim é que o convite para entrar nesses lares deixa a mostra que, mesmo diante de uma guerra, mesmo com o mundo inteiro desabando sobre a cabeça das pessoas, nunca se deve esquecer da reputação, da boa imagem e, evidentemente, do brinde de champagne no grande final.
De repente, não mais que de repente
Uma vida pacata, quase asséptica, irretocável pela moral e pelos bons costumes que zelam uma época. De repente, a visita de um amigo ou uma gravidez indesejada com um comunista, fazem ruir os frágeis pilares de um núcleo familiar. A partir daí, tudo se degringola numa sucessão de fatalidades que naturalmente só podem conduzir a mais desequilíbrio. As surpresas no texto são – e precisavam ser – sempre desagradáveis, tecidas com requintes de uma loucura aceita e compartilhada pelos personagens e pelo público.
Nas três casas, todos os nomes começam com a letra ‘S’. Entram em cena Sílvia, Sarah, Simão e outro punhado de personagens. Shirley, entretanto, nunca aparece. Mas o seu não comparecimento não diminui o seu protagonismo. Ela é sempre o contraponto. É a criança ou a mulher que se torna o elemento capaz de trazer um pouco de lucidez aos envolvidos nos episódios. Shirley funciona como o chamado que move a vida dos que ali se apresentam. É dessa maneira que se constrói e se específica na sua totalidade: Simplesmente Shirley, Totalmente Shirley e Finalmente Shirley, que encerra a peça.
Nessa interação, a troca de cenários é o mote para que todo o elenco transforme seus personagens. Funciona como uma grande inversão: quem é filha vira mãe, a mãe passa a ser a filha grávida, a empregada passa a ser a patroa, etc. O mais sutil e irônico movimento é que alguns traços e trejeitos permanecem embutidos nos personagens independe da posição social que ocupe.
No momento em que se cultua o vale-tudo do besteirol, Trilogia Shirley, embora perca fôlego e nem sempre use da sutileza para provocar o riso, acena para um cenário não mais de resistência, mas de novas possibilidades para o teatro baiano. E é provavelmente esse o seu grande mérito.
Trilogia Shirley
Onde: Teatro Módulo (Av. Magalhães Neto, Pituba)
Período: Quintas, às 19h e 21h
Ingressos: R$ 30 e R$ 15

Nenhum comentário: