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domingo, 27 de março de 2011

Pedro Archanjo

"Amanhã será conforme o senhor diz e deseja, certamente será, o homem anda para a frente. Nesse dia tudo já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta de gente pobre, roda de negros, mestiços, música proibida, dança ilegal, candomblé, samba, capoeira, tudo isso será festa do povo brasileiro, música, balé, nossa cor, nosso riso, compreende?" (Tenda dos Milagres, Jorge Amado)

Foto: Vitor Sá. Retirada daqui ó: http://br.olhares.com/preto_velho_foto1126977.html

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Conforme o ritmo.



Um escritor que faz você se sentir bem depois de ter lido cinco páginas que variam de alhos para bugalhos sem te dizer absolutamente nada e, no parágrafo seguinte, dá uma risadinha mafiosa do tipo: “Tudo o que escrevi até aqui é rigorosamente desnecessário para o que vou contar” não é tão somente um escritor. É um dominador de mentes. Assim, no sentido cru, duro e sem nenhum respaldo científico – até porque psicologia está mais para Domingo do Faustão do que para ciência. Puros gracejos que debocham na cara do leitor, saltando-lhe os olhos com certa empáfia, sem correr o mínimo risco do espalhafatoso ou da ojeriza generalizada, exigem técnica apurada com doses de malícia e risadinhas de canto de boca. Com esse arsenal, na literatura brasileira, só conheço um: Machado de Assis.

Em Histórias Sem Datas, livro de crônicas que acabei de recostar na estante, ele surpreende. As narrativas são tiradas da realidade. Da realidade que existe na cabeça do pensamento Machadiano. Ou seja, um turbilhão delas, todas misturadas, ultrapassando a mera interpretação daquilo que comumente se distingue entre o real e o irreal, a verdade e a fantasia. Como num mergulho a esse universo, tudo ali se des - assenta de tal forma que qualquer pessoa pode legitimamente sentir que está diante de um tratado sobre a loucura ou de um manuscrito escrito por um louco. Nada ali parece fazer muito sentido, ter muitas conexões com o que existia naquele Brasil do final de 1800. Mas, claro, aí nesse acesso de insanidade nasce o fundamento de sua obra e as maneiras que Machado utilizou para falar de, sei lá, um par de botas, de forma completamente universal.

Universal e atemporal. Conhecendo um pouco das suas obras, dificilmente ele escreveria um livro com esse título se, de fato, acreditasse na probabilidade de que seu texto pudesse ser datado. Datado pela época ou pela própria decadência que perfaz a humanidade. Não se trata efetivamente de uma visão fatalista, fixada nos construtos do determinismo. Tampouco se é uma previsão rasa baseada na crendice de que a humanidade não tinha e também não terá jeito, logo tudo o que está escrito ali se torna do mundo e de todos para sempre. O que pensou, conjecturou, se fundamenta no profundo rigor com o qual analisava as pessoas, em todas as partes, no seu íntimo, no seu coletivo, nas suas esferas de pertencimento e de existência. Pois bem, tanto conhecimento, leitura, excesso de sensibilidade e medidas razoáveis de genialidade e dom (sim, porque ninguém aqui pode acreditar que todo mundo pode ser qualquer coisa se educado para isso) é o que permite deboches tão simpáticos como aqueles citados no comecinho do texto. Atinge sua alma e, se ele tiver com a minha, deve doer mais do que exame de sangue. Ou menos, já que agulha nenhuma me fura desde 1998.

Fato que falar, falar e falar, para depois dizer: você nem sabe o que eu vou dizer ou o que eu sou, dialoga perfeitamente com o meu ideal de vida. Quer dizer, a melhor maneira de manter o íntimo preservado é se expondo. Porque, consciente dessa tarefa, você a executa da forma como lhe é conveniente, criando representações do que bem deseja, do que bem quer e de como quer, saliente-se. E, pra evitar contrapontos do gênero você-não-é-você-mesmo ou isso-não-é-muito-original, devo confessar que a melhor maneira de se auto-pertencer (nossa, estou profundo) é pertencendo aos outros exatamente da forma e da medida que você gostaria de ser pertencido. É isso, faz tanto sentido quanto o livro de Machado, mas, sob hipótese algum, o sentido poderia ser mais claro.

Abaixo trechos que eu selecionei com critérios mais frouxos do que a vontade de comer temaki num sábado à noite.

Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olhas; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dá. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

- Já vos disse que não.

- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. (Página 15)

“Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Página 77).

“Tinha obrigações morais com a sociedade; ninguém se pertence exclusivamente; daí um pouco de dispersão dos seus cuidados. A verdade é que tinham vivido demasiadamente reclusos; não era justo nem bonito. (...). Este foi, talvez, o ponto mais fraco da vida do meu amigo. Não tinham idéias políticas; quando muito, dispunha de um desses temperamentos que substituem as idéias, e fazem crer que um homem pensa, quando simplesmente transpira.” (Página 104)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Adeus, novembro!


Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires.

|.(Machado de Assis me consome).|

Sem data


Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Machado de Assis, Histórias Sem Datas)


domingo, 26 de setembro de 2010

Cade a DRT?

Psicólogo de boteco é um tipo que deveria integrar a lista de animais em extinção. Durante todos esses dias, em  que um certo ar de novidade anda me dizendo que sair dessa cidade equivale a não voltar pro sertão, percebi o quanto eles se reproduzem. São radicais do pouco. Gente que dá pitacos excessivos na sua vida, buscando de forma primorosa tazer a tradução de você para, advinhem, você. Com a pretensão de aluno que nunca estudava e nunca entendia por que ia parar na recuperação, essas pessoas são os paladinos da experiência vivida, da superação de todos os dramas e conflitos que a humanidade pode trazer a alguém. Precisam ser categóricas e, ao mesmo tempo, fingir algum tipo de conhecimento que só elas possuem - possuem não, alcançaram. Não precisa nem conhcer sua trajetória, basta pegar algum comentário e proferir frases incertas como "Eu sei o que é isso", "Essa é a fase X da vida", "Eu sei como você se sente", "Como você mudou", etc&tal.

Em geral, psicológos de boteco não entendem nada, não estão entendendo nada e só querem matar o velhote inimigo que morreu ontem. Desconfio de qualquer sabichão que tenha lido menos livros que eu. E não tenho  receio de pedantismo em relação a esse fato. Depois que não precisa mais do que duas ou três frases trocadas para perceber que o psicólogo é uma pessoa insegura, cheia de problemas banais no qual ele vê grande importância, tem pouco conteúdo, não sabem argumentar e se afugentam no personagem esperto e interessante que eles criaram de si para fugir de qualquer discussão que se estenda para além das suas trivialidades. Sofrem da síndrome contemporânea de suicídio: por qualquer coisa dizem "quero morrer" e vivem a deriva na vida. São vencidos pelo dia mais fácil do mês e acordam sempre pensando em como o café da manhã será repetitivo, tal qual a vida de Maria Fulaninha. Andam com os comparsas. É uma forma de garantir que sua referida e  nobre profissão de fato existe e é compartilhada por outros. 

O antídoto mais eficaz para qualquer conflito da pós-modernidade é o desprezo. Se vale tudo e todos podem dizer o que querem, então, se abster da fala não só representa dizer algo como algo melhor do que qualquer coisa que pudesse ser dita. Não tem forma mais singular de debochar e de irritar a horda de atrevidos que tentam preencher o seu about me. Virgínia Woolf nos entenderia.  E ela nem precisa achar que é Lacan. Nem sentar no Mercado do Peixe, claro. 

"Não se pode tomar decisão alguma. E somos cada vez menos capazes de fazer um julgamento. Você acha isso? E depois, nunca sabemos o que sentimos. Estamos todos no escuro. Tentamos descobrir, mas pode imaginar algo mais ridículo do que uma opinião de uma pessoa acerca de outra pessoa? Achamos que sabemos, mas na verdade não sabemos". 

VAMOS FALAR DE COISA BOA?