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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Conforme o ritmo.



Um escritor que faz você se sentir bem depois de ter lido cinco páginas que variam de alhos para bugalhos sem te dizer absolutamente nada e, no parágrafo seguinte, dá uma risadinha mafiosa do tipo: “Tudo o que escrevi até aqui é rigorosamente desnecessário para o que vou contar” não é tão somente um escritor. É um dominador de mentes. Assim, no sentido cru, duro e sem nenhum respaldo científico – até porque psicologia está mais para Domingo do Faustão do que para ciência. Puros gracejos que debocham na cara do leitor, saltando-lhe os olhos com certa empáfia, sem correr o mínimo risco do espalhafatoso ou da ojeriza generalizada, exigem técnica apurada com doses de malícia e risadinhas de canto de boca. Com esse arsenal, na literatura brasileira, só conheço um: Machado de Assis.

Em Histórias Sem Datas, livro de crônicas que acabei de recostar na estante, ele surpreende. As narrativas são tiradas da realidade. Da realidade que existe na cabeça do pensamento Machadiano. Ou seja, um turbilhão delas, todas misturadas, ultrapassando a mera interpretação daquilo que comumente se distingue entre o real e o irreal, a verdade e a fantasia. Como num mergulho a esse universo, tudo ali se des - assenta de tal forma que qualquer pessoa pode legitimamente sentir que está diante de um tratado sobre a loucura ou de um manuscrito escrito por um louco. Nada ali parece fazer muito sentido, ter muitas conexões com o que existia naquele Brasil do final de 1800. Mas, claro, aí nesse acesso de insanidade nasce o fundamento de sua obra e as maneiras que Machado utilizou para falar de, sei lá, um par de botas, de forma completamente universal.

Universal e atemporal. Conhecendo um pouco das suas obras, dificilmente ele escreveria um livro com esse título se, de fato, acreditasse na probabilidade de que seu texto pudesse ser datado. Datado pela época ou pela própria decadência que perfaz a humanidade. Não se trata efetivamente de uma visão fatalista, fixada nos construtos do determinismo. Tampouco se é uma previsão rasa baseada na crendice de que a humanidade não tinha e também não terá jeito, logo tudo o que está escrito ali se torna do mundo e de todos para sempre. O que pensou, conjecturou, se fundamenta no profundo rigor com o qual analisava as pessoas, em todas as partes, no seu íntimo, no seu coletivo, nas suas esferas de pertencimento e de existência. Pois bem, tanto conhecimento, leitura, excesso de sensibilidade e medidas razoáveis de genialidade e dom (sim, porque ninguém aqui pode acreditar que todo mundo pode ser qualquer coisa se educado para isso) é o que permite deboches tão simpáticos como aqueles citados no comecinho do texto. Atinge sua alma e, se ele tiver com a minha, deve doer mais do que exame de sangue. Ou menos, já que agulha nenhuma me fura desde 1998.

Fato que falar, falar e falar, para depois dizer: você nem sabe o que eu vou dizer ou o que eu sou, dialoga perfeitamente com o meu ideal de vida. Quer dizer, a melhor maneira de manter o íntimo preservado é se expondo. Porque, consciente dessa tarefa, você a executa da forma como lhe é conveniente, criando representações do que bem deseja, do que bem quer e de como quer, saliente-se. E, pra evitar contrapontos do gênero você-não-é-você-mesmo ou isso-não-é-muito-original, devo confessar que a melhor maneira de se auto-pertencer (nossa, estou profundo) é pertencendo aos outros exatamente da forma e da medida que você gostaria de ser pertencido. É isso, faz tanto sentido quanto o livro de Machado, mas, sob hipótese algum, o sentido poderia ser mais claro.

Abaixo trechos que eu selecionei com critérios mais frouxos do que a vontade de comer temaki num sábado à noite.

Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olhas; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dá. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

- Já vos disse que não.

- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. (Página 15)

“Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Página 77).

“Tinha obrigações morais com a sociedade; ninguém se pertence exclusivamente; daí um pouco de dispersão dos seus cuidados. A verdade é que tinham vivido demasiadamente reclusos; não era justo nem bonito. (...). Este foi, talvez, o ponto mais fraco da vida do meu amigo. Não tinham idéias políticas; quando muito, dispunha de um desses temperamentos que substituem as idéias, e fazem crer que um homem pensa, quando simplesmente transpira.” (Página 104)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Adeus, novembro!


Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires.

|.(Machado de Assis me consome).|

Sem data


Rigorosamente, todas estas notícias são desnecessárias para a compreensão da minha aventura; mas é um modo de ir dizendo alguma coisa, antes de entrar em matéria, para a qual não acho porta grande nem pequena; o melhor é afrouxar a rédea à pena, e ela que vá andando, até achar entrada. Há de haver alguma; tudo depende das circunstâncias, regra que tanto serve para o estilo como para a vida; palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução; alguns dizem mesmo que assim é que a natureza compôs as suas espécies. (Machado de Assis, Histórias Sem Datas)


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Sexta feira

Tem que saber que eu quero correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
Todo dia, todo dia. 

domingo, 3 de outubro de 2010

Descanso


"Dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma. Felicidade se acha é só em horinhas de descuido".

Guimarães Rosa - Manuelzã e Miguilim


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Eu sei

Acabei de ler A Vida Está em Outro Lugar. Não preciso de muito esforço e reflexão para assegurar que o que mais gostei foi o título. Essa preferência absurda em relação à própria narrativa não significa que desgostei da história. Em absoluto. Kundera é uma descoberta. Só ele sabe fazer doer a alma com tanta paz. E isso, até então para mim, era uma contradição em termos. Marcou porque me fez ver que isso não é vida. Isso que eu vivo não parece vida. Não é minha, tenho essa impressão. E quando sinto que a vida existe é como se fosse um acesso intenso e rápido a outro plano. Depois a gente volta pra normalidade. Pra a normalidade dos outros. O acordar, o tomar o ônibus, as saídas com os amigos pra algum bar, a volta, etc. Isso me parece dos outros. De todos os outros. Não a minha vida. E é isso que me tem feito pensar que a Vida Está em Outro Lugar. pode estar, do contrário não faz sentido.

Abaixo alguns trechos que me fazem somente busca, nunca apreensão.

“Ela respondeu que naquele quarto estava em sua casa, enquanto que lá onde Xavier queria levá-la não teria nem o seu armário de roupas nem o seu pássaro de gaiola. Xavier respondeu que um lar não é um armário de roupas nem um pássaro numa gaiola, mas a presença de alguém que se ama. Disse-lhe depois que ele mesmo não tinha um lar, ou melhor, para exprimir-se de outra maneira, que seu lar estava nos seus passos, na sua caminhada, nas suas viagens. Que seu lar estava onde se abrissem horizontes desconhecidos. Que só podia viver passando de um sonho a outro, de uma paisagem a outra, e que se ficasse por muito no mesmo cenário morreria”.
“Mas não era apenas um sentimento de culpa que o empurrava para o perigo. Ele detestava a covardia que faz da vida uma meia-vida e dos homens meio-homens.  Queria colocar sua vida na balança e que a morte estivesse no outro prato. Queria que cada um de seus atos, até mesmo cada dia, cada hora, cada segundo de sua vida fosse medido pelo supremo critério que é a morte. Era por isso que queria seguir à frente da coluna, andar sobre um fio acima do abismo, ter a auréola das balas ao redor da cabeça e assim crescer aos olhos de todos e tornar-se infinito como a morte é infinita.
O homem do boné olhava-o com olhos frios e severos onde pairava um brilho de compreensão.
- Pois bem, então vá! – disse-lhe.”
“As horas passadas diante do espelho faziam-no tocar no fundo do desespero; felizmente havia um espelho que o levava até as estrelas. Esse espelho sublime eram os seus versos; havia a nostalgia dos que ele ainda não escrevera, e dois que já escrevera lembrava-se deleitado, como se costuma lembrar das mulheres; ele não era apenas autor, mas era também o teórico e o historiador: redigia comentários sobre o que havia escrito, repartia sua produção em diferentes períodos e a cada um deles dava um nome, o que fez com que num espaço de dois ou três anos considerasse a sua obra poética como um processo histórico digno de um historiógrafo. (...) aqui o tempo era articulado e diferenciado; passava de um período poético a outro e podia (olhando para baixo de canto de olho, para aquela horrível estagnação sem acontecimentos) anunciar para si mesmo, num êxtase engrandecido, o advento de uma nova era que abriria para sua imaginação horizontes inimagináveis.”
E Jaromil jura para si mesmo estar sempre do lado daqueles que querem radicalmente transformar o mundo (Página 141)
“- Acredito que no amor não existe compromisso. Quando se ama, é preciso entregar-se por inteiro.” Página 153.]
“Xavier vivia de maneira totalmente diferente dos outros homens; sua vida era o sono; Xavier dormia e tinha um sonho; dormia nesse sonho e tinha outro sonho e dormia novamente nesse sonho e tinha mais um sonho: e despertava desse sonho e via-se no sonho anterior; e assim ia de sonho em sonho e vivia sucessivamente várias vidas; habitava várias vidas e passava de uma para outro. Não era maravilhoso viver como Xavier? Não estar preso a uma só vida? Ser mortal, sim, mas ter também outras vidas?
- Sim, seria bom...- disse a ruiva. (página 241)”