terça-feira, 8 de novembro de 2011

Da montanha


E assim, quando o vento passou e levou tudo o que existia, a nuvem de poeira descortinou diante dos olhos a visão encantadora do que ninguém mais poderia ver: o mundo inteiro brilhando num suspiro de infinito.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Parede


Eu quero um livro que não tenha nada escrito. Um texto que eu possa olhar e só contemplar a brancura do papel. Que não tenha absolutamente nada a ser lido, entendido e pensado.  Esse livro tem que ser como um espelho de tudo.  Para que quando eu olhe, imagine a história que está ali escondida e que não a acho. Para que crie os personagens e os veja transitando de folha em folha até o derradeiro final, que não poderá ser mais do que um começo invertido. Esse livro poderá mostrar-me a aspereza da vida e a crueldade de alguns verdugos. Mas é justamente na sua face mais reflexiva, na superfície mais escancarada que eu quero descobrir a relevância de tudo isso que agora está aqui fora: a relevância do nada. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Misty

Creio que o pior castigo da solidão seja justamente descobrir-se. 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Nos Caracoles


Toda a vida parece traduzida nessa estrada : ainda que dê muitas voltas em torno de um imenso precipício, que faça prender a respiração a cada curva e que levante um pouco da poeira, nos consternando com um cenário tão grandioso, distante e, ao mesmo tempo, tão íntimo, a estrada, a estrada...só segue.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sagrado

No silêncio, escutou o canto mais bonito. Eram rimas de profundo amor, eram versos sobre aquilo que é mais importante em toda a existência: o nada. Naquele instante foi deslizando-se para o ar, desfazendo-se em vento. E todo seu corpo sentia essa liberdade, esse estranho regozijo que para alguns é crença, e para outros não pode ser mais do que o instante célebre da larga caminhada.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Da volta

Tantas coisas eu tenho a contar que coloco tudo num pedacinho de mar.  Que é pra deixar assim mesmo à deriva e ver tudo partir pra alguma paragem distante a procura de um abraço, de uma grama verde, de uma montanha silenciosa, de um rio pedregoso, de uma acerola colhida do pé pelo vento. Um dia eu também parto para esse lugar, a reencontrar-me com tudo o que foi e que segue, a reencontra-me com o todo sem começo e sem fim.

segunda-feira, 20 de junho de 2011


O problema da vida nao é a simpatia. É competencia.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A verdadeira vida de Sebastian Knight

A resposta a todas as questões da vida e da morte, “a solução absoluta”, estava escrita no mundo inteiro que ele conhecera, era como se um viajante percebesse que a região inóspita pela qual viajava não era apenas um conjunto acidental de fenômenos naturais, mas a página de um livro onde aquelas montanhas e florestas, campos e rios, se achavam dispostos de modo a formar uma frase coerente; a vogal de um lago a fundir-se com a consoante de uma colina sibilante; as curvas de uma estrada a escrever a sua mensagem numa caligrafia, tão clara quanto a letra de nosso pai; as árvores a conversar numa linguagem de mudos, compreensível aos que aprenderam a linguagem dos gestos...Assim, o viajante soletra a paisagem, e o seu sentido se lhes revela; do mesmo modo, o intricado o desenho da vida humana demonstra ser monográfico, agora bastante claro ao olho íntimo que desamaranha as letras entrelaçadas. E o mundo , cujo sentido sentido então aparece, é espantoso em sua simplicidade – e a surpresa maior talvez consista em que, no transcurso de toda nossa existência terrena, com o nosso cérebro limitado por um círculo de ferro, pelos sonhos bem apertados de nossa própria personalidade; não se fez, por puro acaso, aquele simples movimento mental que teria libertado o pensamento aprisionado, concedendo-lhe grande compreensão. Agora enigma estava decifrado.  E como o significado de todas as coisas brilhava através de suas formas, muitas idéias e acontecimentos, que tinham parecido de máxima importância, diminuíam a seus olhos, não a ponto de tornar-se insignificantes – pois que nada agora poderia ser insignificante- mas chegando ao mesmo tamanho que outras ideias e acontecimentos, aos quais, antes, negara qualquer importância, agora adquirida.

Nabokov pra essa manhã.

sábado, 4 de junho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

 

Quando nasce o dia,
O tempo dispara.
Ou será que pára,
Pra ver o sol se levantar?
Quem será que manda na vida?
Quem dá a partida?
Quem que reinventa a luz?
Quem que faz esses azuis?

Como é mesmo que anda o tempo?
Será, sempre assim, tão lento?
Será que passa é por dentro de nós?
Será que é o sol que ordena,
E o tempo que obedece?
Ou será que o sol só desce,
Quando o tempo eleva a luz?

Caetano Veloso e Milton Nascimento enchendo de poesia essa primeira manha de junho.  Na foto, o Uruguai nos saudando com essa imagem que até parece primavera, mas é outono frio.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Em Sudamérica

Eu sei que ficar postando fotos em blog parece 2003, época de fotolog, de imagens horrorosas e comentários que 8 anos mais tarde nao podem ser outra coisa senao ironia fina. Mas vou compensar a falta de tempo com algum post diário. Aproveitando esse mês que nao acaba nunca e mudo logo. Essa é a Torre de Livros. Eu achei incrível toda a intervençao artística de todos os lados, de baixo pra cima, de cima pra baixo, passando frio na fila. Mesmo sem ser profissional, a camera fotográfica ajudou a captar essas fotos que eu gostei muito. Ficam só algumas pra nao encher a paciência com o mais do mesmo. A artista é Marta Minujín. Super louca, descolada e deveras cativante - e me lembra sempre Kill Bill. 







sábado, 28 de maio de 2011

Eu começo por onde a estrada vai.

Esse post vai sem os acentos e demais pontuaçoes do bom (rs) português. Vai também sem texto e sem análises de qualquer coisa. Tentei escrever durante esse mês fora, mas a vergonha de saírem coisas medíocres (leia-se mais medíocres do que o meu cômodo costume já oferecia) e os receios de transformar tudo num grande diário de viagem, escrito as pressas, cheio de repetiçoes e coisas absolutamente desnecessárias, só me habilita a postar algumas fotos - que também nao obdecem a nenhum critério estético aceitável em aulas de fotografia - e parcos comentários. Temporariamente, é isso que tenho pra fazer.

Depois que deixei Salvador, a primeira coisa que me recordou algum nível de civilizaçao urbana foi o Rio de Janeiro. Quer dizer, a primeiríssima foi o Cristo Redentor de braços abertos. O dia nao tava lá com aquelas cores tropicais, mas descer no Rio enche de cores meus olhos. Daí em diante, conexoes infinitas. Se duvidar fui pra Manaus e nao me dei conta. Foi o jeitinho que a TAM escolheu pra dizer que sou classe econômica restrita.
Aí o Sul do país te dá esse céu azul que até sugere enganar alguém de outros trópicos, mas é tudo brinks. E você sabe disso quando recebe nas costas aquele ventinho que estudávamos nos livros de geografia: Minuano.

Na foto, o Gasômetro - é também estranhei o nome. Boa parte dos meus dias passei aí, vendo os filmes do Cine Esquema Novo. Um monte de coisa legal e outra babaquices que aquelas pessoas com óculos fundo de garrafa adoram levantar, aplaudir e celebrar como o último sopro da criaçao pós moderna. Perdi a paciência pra esse tipo, sabe? Mas o lugar é bem legal. Parece um pouco com Austrália: enorme e vazio.
 O céu levemente metálico depois do pôr do sol, que nao chega a ser padrao Baía de Todos os Santos, mas está super longe de provocar vergonha alheia.
Toda cidade que pontua Mercado Municipal como ponto turístico merece um pouco menos de respeito. Esse até era legal e relativamente limpo. Vendiam coisas de Umbanda também, o que, evidentemente, me recordou a Feira de Sao Joaquim. E tinham uns temakis que pareciam deliciosos por 4 ou 5 reais (sim, o custo de vida em Porto Alegre é bem mais barato do que em Salvador - e olha que o poder aquisitivo da populaçao é maior).  A Umbanda no Sul tem influências ciganas. É como dizem, nesse país até o marxismo se mistura com dendê.


Gabriela me mataria por essa foto, tenho certeza. Mas achei um tanto de fofura e amor nela. No Santander Cultural, um prédio bem imponente no Centro da cidade e com exposiçoes, mostras, cinemas, etc e tal. 
 
No dia, tinha um fotógrafo bem velhinho fazendo a visita guiada pelo V Festival de FotoPoa. As fotos dele eram tao surreias de boas que se eu tivesse vergonha, jamais voltaria a tocar numa máquina. Mas eu nao tenho e segui. 


Fazendo pose pra o ferro-velho que se chamam de arte. 

A Casa de Cultura me ganhou na chegada. Achei tudo bem leve e poético. Tá certo que algumas fotos lembram a Casa Rosada, em Buenos Aires, mas o lugar tem algo de original, de próprio. E a luz que bate lá no último andar, as cinco horas da tarde, é como um quadro descrito por Virgínia Woolf. 

Bem, achei parecido. E abaixo uma demonstraçao de que, embora eu quase nunca saiba apreciar devidamente, eu sempre reparo nas formas e nos encaixes que as coisas assumem no concreto. 
A escada de Nazaré. 
 Esse sou eu tremendo de frio e verdadeiramente admirando o rio. 
 Essa praça tinha a cara do outuno. Algum milico lá em cima fazendo o que mais sabem fazer: apontar armas. Porto Alegre tem uma vila militar no meio da cidade. Tipo, nao esta isolada ou distante das pessoas. Tá no coraçao da vida urbana e qualquer um pode caminhar assim livremente. Se você nao pensa em fazer um filme ou ensaio sobre os anos de chumbo da ditadura, tudo é extremamente desnecessário. Assim como as forças armadas, claro.
Depois de quase uma semana, eu me despedi de Porto Alegre com um dia horroroso. Chovia, o aeroporto passou o dia inteiro fechado, a TAM nao queria cancelar o vôo, obviamente pra nao ter gastos extras, enfim, além da tensao de decolar nessas condiçoes, horas sem comer, horas passeando pelos mesmos corredores, horas vendo as mesmas atendentes do duty free e coisas do tipo. 

Faltaram coisas: Porto Alegre tem muitas casas noturnas - nao fiz o registro, risos- e um bairro bem boêmio - República. É uma cidade de fumantes, claro. E há bitucas de cigarro até dentro da sua cueca se duvidar. Almocei quase todos os dias no shopping Praia de Bellas. É meio phyno, mas, comparado a soterópolis, é peixe pequeno. As pessoas sao bem amáveis e, eventualmente, você acha que acabou de cruzar com alguma top model na esquina. Mas há gente BEM baranga também, o que, novamente, faz cair por terra aqueles clichês de que o sul só tem gente bonita e coisas do tipo. Na  verdade, achei esse pedacinho do país tao brasileiro quanto qualquer outro - um pouco mais limpo,  conservado e menos violento em alguns pontos, é verdade - mas com os nossos mesmos tormentos e esperanças.

Visitaria de novo fácil no próximo inverno porque verao, sem mar, sem brisa, sem carnaval e passando por ondas de calor abusivas, é deveras insuportável.






quinta-feira, 14 de abril de 2011

Com o vento

Eu começo por onde a estrada vai 


E eu tô voltando para o mundo. Outra vez.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Há flores por todos os lados


Para Kundera a luta contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento. É ela, a memória, quem costuma exercer um papel implacável com a história. Funciona assim com os indivíduos, com um grupo, com uma sociedade, com uma nação inteira.  Parte da responsabilidade pode ser explicada por questões ligadas às ciências naturais: somos uma espécie efetivamente seletiva. Os acontecimentos, os fatos, os objetos, os lugares, as circunstâncias, os sentimentos, as pessoas podem facilmente se esvaírem, perderem formas, contornos, sumirem, serem esquecidas e levadas de maneira sublime pelo sabor do vento. Na maioria das vezes, é um gesto espontâneo, sem deliberações, quase tocando às raias da irracionalidade. 

Quando se fala de um país, notadamente marcado por uma história de crueldade e de disparidades, o esquecimento não é apenas perigoso por se imbricar e gerenciar a dinâmica da vida social – esvaziando de sentido tudo o que existe, tudo o que há, os porquês e suas raízes. No olho desse furacão, o esquecimento é talvez o grande inimigo. Inimigo do povo, inimigo do passado, a quem parece ser indiferente, inimigo do presente porque nos torno estranhos a nós mesmos e inimigo do futuro, uma vez que age de maneira proibitiva na superação de nossas celeumas. Se não teve essa função objetiva traçada desde o começo da sua produção, a novela Amor e Revolução, do SBT, que estreou na última terça-feira, dia 5, assim se expressa: uma arma contra o nosso desejo de esquecer.

O escritor uruguaio, Eduardo Galeano, celebrado por sua obra sobre América Latina, afirmou que ‘a história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi e contra o que foi anuncia o que será’. Restam poucas dúvidas de que o nosso profeta está em algum cativeiro. Só precisamos saber quem o seqüestrou e onde o guardou. Já sabemos como resgatá-lo, embora não tenhamos vontade fazê-lo. E é precisamente sobre esse desafio que o Brasil precisa se debruçar. O desafio do resgate - de sua história, de seu povo, de si próprio. 

A ditadura militar de 1964 tem sido retrata em livros, filmes, mini-séries, especiais, reportagens e uma infinidade de variações permitidas pelos recursos audiovisuais contemporâneos. Como tema central e tônica de uma novela é a primeira vez. Na mesma proporção que reconhecemos que esse ‘gênero televisivo’ tem suas limitações inerentes e qualquer deslize pode tornar tudo mais piegas e superficial do que o próprio roteiro original poderia prever, somos obrigados a também aceitar o seu incrível potencial de ingerência no tecido social, a sua força para abrir espaço para o diálogo, para troca, no cerne do povo brasileiro.  

Assim, mesmo antes de sua estréia, propositadamente marcada para acontecer 67 anos e 5 dias depois do golpe de Estado (golpe esse que as viúvas de Médici e os filhotes de milico insistem em chamar de Revolução Democrática),  Amor e Revolução é uma vitória. Pela primeira vez, de forma diária, num faixa de horário nobre, as pessoas podem acompanhar alguns dos principais e mais decisivos acontecimentos recentes do país. Se não servir para suscitar discussões mais acaloradas sobre projetos políticos, no mínimo cumpre a função de mostrar que a tirania, as perseguições, a cassação da liberdade de expressão, da liberdade política, as mortes, as torturas, e todo aquele aparato repugnante não foram, não são e não serão invencionices de desocupados.  A história impôs ao Brasil um direito que nem a Constituição de 88 poderia contemplar: o direito de não esquecer.  

É dessa malograda conquista que estamos falando quando apontamos nessa novela uma vitória. Suas limitações, seja pela fragilidade dos textos - tudo parece às vezes uma soma de clichês carregados e vigiados no bolso pela esquerda pueril- ou pelas interpretações – mais plásticas e com menos intensidade que a época exige- ou pelo excesso de canções datadas, não ofuscam o trunfo que a obra oferece: a possibilidade de assistir e de ouvir os testemunhos daquela realidade. De dizer: ei, isso aconteceu ontem. E vem no momento em que as pessoas parecem saturadas do tema ou convencidas pelo vale-tudo pós-moderno que tenta nos impelir ‘o já passou’, ‘é caso superado’, ‘a nova geração cresceu livre’, ‘olhemos pra frente’. Não. Não, aceitamos. Não temos o direito de esquecer. 

Argentina e Chile, para citar os dois máximos expoentes nessa questão, lutam sistematicamente pela punição de todos os torturadores que ajudaram a estruturar e a manter viva a máquina de moer gente. Se lá os processos foram mais sangrentos pouco importa. Independente de 300 mortos ou de 30.000 a nossa indignação não é maleável, sujeita a barganhas. Na contramão, o Brasil vai deixando o tempo passar. Somente com o início do governo Lula os arquivos secretos começaram a ser abertos e ainda assim o exército, a extrema direita, a velharia golpista protestou, protestou e houve recuos.  Mas basta mesmo o chilique do séquito dos velhos generais ou o despautério de que não se governa olhando pelo retrovisor para justificar a qualquer preço o silêncio do país? 

Quando li as 20 primeiras páginas do livro Brasil Nunca Mais passei dois dias absorto. Aquelas páginas também me torturam. Diferente de meus tios, arrastados para os porões da ditadura, não vivi a época. Mas, parafraseando Belchior, minha dor é perceber que agentes que eletrocutavam, que inseriam insetos na vagina de mulheres grávidas, que arrancavam as unhas dos seus adversários, que jogavam jacarés, cobras contras os prisioneiros, e outras tantas barbaridades como a própria violência sexual, estejam soltos. Se com 60, 70 anos, não faz diferença. Não estamos falando aqui de vingança pessoal, de dar exemplo. É da justiça, da justiça de um país para consigo mesmo, com seu povo e com sua soberania. Não punir equivale a legitimar.

Amor e Revolução traz para essa geração, que no grosso de sua expressão detesta tudo o que não tenha o botão off e on, a possibilidade de saber. Oferece ao país o direito à memória. Assim como o combate ao racismo perpassa pelo não esquecimento do seqüestro de milhões de africanos e da sua escravização por mais de 355 anos, virar a página de 64 requer o enfrentamento do Estado consigo mesmo, o reconhecimento do erro na busca pelo acerto. Ironia ou não do destino, o maoísmo da luta armada que nos fala Amor e Revolução foi quem deixou um recado para o Brasil: não se pode dar uma grande salto adiante sem ao menos retroceder um passo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O corpo é linguagem e a leitura é toda sua.


Narrado em primeira pessoa e no ritmo veloz da vida de Nova York, O Animal Agonizante desnuda a vivência do professor universitário David Kepesh, nos anos precípuos da terceira idade. Crítico literário de renome, bem sucedido profissionalmente e legítimo paladino dos anos 60, Kepesh se apresenta, ainda que não obedeça aos cânones do machismo, como homem-corpo. Aquele capaz de racionalizar/reduzir o mais bobo dos sentimentos em prazer. Da maneira como fala ao sorriso que concede às suas alunas, tudo se efetiva no ato de possuir o corpo, consumi-lo. Para inverter esse relação, um amor latino: é para Consuelo Castillo, filha de imigrantes cubanos, que Kepesh se doa por inteiro. 

Sem querer e sem acreditar, Kepesh vai mostrando  e ratificando a paixão, que poderia parecer o elemento subversivo, como o elemento mais arrebatador da vida - a qualquer idade, em qualquer momento, independente do pensamento que se tenha. Assim, dessa tensão entre os corpos, entre a agressividade sedutora do próprio ato sexual, se desenrolam reflexões sobre o tempo, a idade, as transformações, os desejos, enfim, sobre isso que nos animaliza e nos humaniza: o amor, o sexo e o sentir.

Mesmo que os personagens não se desenvolvam tanto, especialmente Consuelo - o que nos deixa com a clara sensação de que tanta entrega para um homem desses não se justificaria- O Animal Agonizante é uma das respostas plausíveis sobre o que significou a liberação sexual.  É precisamente nesse engajamento, muito menos político e por isso mesmo mais sedutor,  que Roth ganha terreno. Ele é um escritor gestado e parido na efervescência da América. Viveu, pensou e radicalizou junto com seus pares na construção do novo. E ainda o faz não se reduzindo simplesmente a explicar, mas a compreender, a reinterpretar as relações dessa e da nova geração com o seu país, com o seu mundo. 


O corpo, marcado por tantas transformações e constituído pelas perturbações e quietudes da dinâmica social, talvez seja efetivamente a melhor, a mais pura e inesgotável fonte para esse aprendizado. Sem querer sê-lo, acaba se tornando o próprio animal agonizante, completamente desnudo, intenso – começo, meio e fim de tudo. 

Na foto o filme O Anticristo. Embora lá tenha a marca impiedosa e a virulência de Lars Von Trier, dá subsídio pra discutir bastante coisa sobre O Animal Agonizante e vice-versa. 

quinta-feira, 31 de março de 2011

And all that jazz.


Abdicar do mundo e fazer da vida apenas um instante ou um renascimento diário tem sido provavelmente uma das maiores ambições da juventude, do espírito de juventude, pra ser mais genérico. Há 60 anos, na segunda metade do século XX, no desolado pós-guerra, a humanidade tomou de assalto esse sonho e pintou muros, paixões e uma história inteira não pra ser contada, mas para ser vivida na intensidade daqueles tempos. É desse sonhar impossível que nos fala Jack Kerouac em On The Road, originalmente escrito nos últimos anos da famigerada década de 40.

Costuma-se no meio literário repetir com veemência que ler somente os grandes clássicos de uma época ou de um só autor é uma das bobagens mais empobrecedoras da vida. Este é um fato. Não lê-los, entretanto, ultrapassa qualquer limite razoável demarcado pela besteira: é um ato de estupidez. Considerado com Ícone da geração hippie, ícone da geração beat, ícone de um monte de coisas que viriam a estourar nos anos subseqüentes, On the Road é, a bem da verdade, uma fotografia dinâmica de um novo despertar. Décadas e décadas se passaram e lemos a história de Sal Paradise e de Dean Moriarty na apreensão e na certeza de que a próxima página resvalará numa explosão de tudo o que se mostra podre, infecundo, obsoleto. E assim o foi e assim o é.

Nesse ponto reside o poder de um clássico. A capacidade de manter permanentemente viva a chama e o envolvimento do que está sendo narrado. Em On The Road não estamos lidando com impressões, mas com certezas. É com convicção que desejamos a liberdade de romper as rígidas relações sociais que mesmo quando se transformam continuam velhas, que pretendemos nos lançar na estrada para assistir o mais o bonito nascer do sol, para dizer que cada dia é uma vida nova e é preciso fazê-la acontecer. Tampouco há titubeios em arrumar a mochila com o essencial e desbravar o novo, cruzar o país, as fronteiras, chegar ao íntimo das coisas e das pessoas somente pelo prazer de senti-las pulsar. “Não havia cidades, povoados, nada, apenas a selva, selva interminável, quilômetros e quilômetros e quilômetros”, diz Sam.

A leitura de Kerouac é a da ruptura. Cortam-se estruturas inteiras para fazer o tempo se encontrar com o espaço. E o local desse casamento é a estrada, a busca incansável, a inquietude, o dizer não três vezes, tal como Judas, ao que permanece. “Ele estava atingindo sua decisões taoístas de uma maneira simples e direta. ‘Qual é a sua estrada, homem? – a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada...Há sempre um estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância. Como, onde, por quê?’. As respostas são tão efêmeras quanto a durabilidade do velho Ford 37 cruzando Denver, Texas, Frisco ou o México. Não sabemos, não queremos saber e isso não nos faz a menor diferença – desde que tenhamos alguns dólares, dois litros de gasolina, uma jukebox, Billie Holiday e o sabor do primeiro trago de um Lucky Strike.

Mesmo sendo dividido em cinco partes, o livro não é um vai e volta. Não há pontos de chegadas, só partidas, só o ir além e além. Da vida pregressa de cada personagem pouco se sabe. Isso talvez tenha motivado a crítica a atacá-lo como um romance de figuras rasas. Embora não haja esse tipo de detalhamento psicológico (saliente-se aqui proposital), os conflitos que perfazem a profundidade daqueles jovens estão todos ali – as vezes nas entrelinhas, as vezes expostos a olho nú. Independente do ritmo e do descompasso que existe entre eles, sabe-se que estão perseguindo o mesmo caminho.

Eventualmente, alguém se dá conta de tanta busca desajeitada e tão necessária para ratificar os compromissos com o presente vivido a queima roupa: “O velho Stan está certo, o velho Stan não está nem aí. Continua com a cabeça tão feita por causa daquelas mulheres, daquela maconha e daquele mambo do outro mundo impossível de absorver, tão estridente que meus tímpanos continuam zumbindo – uau! Ele está tão doido que só ele sabe o que está fazendo.” Só ele sabe o que está fazendo é o  resguardo do autor para que não se tente apreender ou descobrir tudo sobre os personagens. É como se ele dissesse: “Ei, não adianta querer entender o que significa o mundo impossível dele, porque dessa responsabilidade e desse conhecimento só ele pode partilhar.” Ou de uma forma mais grosseira: Dá o fora da vida dele.

O que salta aos olhos não é simplesmente a ideia de que a vida imita a arte – uma vez que o livro é anterior aos anos 60 – mas como as duas coisas estão imbricadas de forma inseparável. Não sobreviveriam em dimensões distintas. Os personagens se tornam tão próximos do leitor que nasce ali uma amizade. E se essa relação poderia esbarrar nos limites da obra ficcional, ela se realiza na absorção do mundo impossível que ali materializamos. Sim, tudo em On the Road – Pé na Estrada (também não entendi a bizarrice do título em português) vira palpável – está ali, sem a menor dose de súplica ou auto-ajuda – em nossas mãos. Exatamente como a geração posterior ensinaria ao mundo que pra ser realista é preciso exigir, no mínimo, o impossível.  

Como também escreveu Kundera, de tradição diferente, mas não menos emblemática, Kerouac nos diz que a vida está em outro lugar. O tempo todo é preciso viajar, se desprender de si para encontrá-la, para se reencontrar – na fuga e na eterna ausência/presença do passageiro. Essa tônica é o que certamente tem inspirado e encantado gerações que se debruçam sobre aqueles lugares, cheiros, cidades, pessoas, sexo, drogas, excessos sem culpa e por que não vaidades? Toda poeira desse nosso caminho é para ser sacudida sem acuidade.

Assim On The Road, lido ou não por um jovem sul americano sem bússolas, mas com ordem deliberada de partida,  lembra a vibração e poder de As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. A tensão incansável entre o ser humano e o ímpeto é aqui revisitada de forma visceral. Se você não se contamina pelo desejo irrepreensível de mudança, de avanço e de derrubada, ao menos se deixar atentar, reparar que algo pode e deve ser diferente. Esse sentimento é o que precisamente nos dá licença para protestar frente aos acadêmicos sisudos: a literatura não é passatempo, não é bobagem para ocupar os espaços vazios.

A literatura é um conhecimento de si, do pertencimento com o que existe. É nascer do sol, é como a vida que Kerouac mostrou: sempre estrada. Ou como transcreveu Sal:“Quando o sol se põe, eu me sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, e consigo sentir toda aquela terra crua e rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão, até a costa oeste, e a estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando naquela imensidão, e em Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar, e você não sabe que Deus é a Ursa Maior? A estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria, reluzindo pela última vez antes da chegada da noite completa, que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia, e ninguém, ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice. Penso então em Dean Moriarty, penso no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos, penso em Dean Moriarty”.

Foto: Billie Holiday

On The Road

Nem sempre posso ou tenho capacidade para fazer a resenha de um livro. Mas, a partir de agora, colocarei a sinopse deles. Fica valendo até como indicação. Pra esse último, fiz um texto maior. Quem não tiver paciência, lê somente isso aí embaixo.

On the Road:
Narrado em primeira pessoa, a obra de Jack Kerouac conta a historia de Sal Paradise pelos Estados Unidos da América. No desolado mundo pós-guerra, o jovem, juntamente com o seu grande amigo (talvez o único a quem realmente tenha amado) Dean Moriarty, embarca em aventuras que anos mais tarde influenciaram toda a geração dos anos 60. Desprendidos de projetos para o futuro, rompendo com as rígidas relações sociais, com toda e qualquer fronteira, os jovens se entregam sem limites ao presente, a intensidade do momento e ao desconhecido. O que realmente vale e existe é a estrada - local onde tempo e espaço se fundem para reger a descoberta de novos mundos. No coração daquela América, divida pela falência moral do Leste e pelas promessas sonhadoras do Oeste, não existiam pontos de chegadas, somente de partidas, do ir sempre além e além. On the Road é assim uma fotografia dinâmica de um mundo prestes a explodir e erradicar o velho, o obsoleto. Mais de seis décadas depois, a força do livro mantém-se intocável. Recomendo para jovens e velhos desde que tenham a grandeza dos bêbados, dos aventureiros e até dos medrosos.  

terça-feira, 29 de março de 2011

Salvador 462 anos. Parabéns, cidade!


"Essa é a minha cidade e em todas as muitas cidades que andei, eu a revi num detalhe de beleza. Nenhuma assim, tão densa e oleosa. Nenhum assim, para viver. Nela quero morrer, quando chegar o dia. Para sentir a brisa que vem do mar, ouvir à noite os atabaques e as canções dos marinheiros. A cidade da Bahia, plantada sobre a montanha, penetrada no mar”
( Jorge Amado – Bahia de Todos os Santos.)

domingo, 27 de março de 2011

Pedro Archanjo

"Amanhã será conforme o senhor diz e deseja, certamente será, o homem anda para a frente. Nesse dia tudo já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta de gente pobre, roda de negros, mestiços, música proibida, dança ilegal, candomblé, samba, capoeira, tudo isso será festa do povo brasileiro, música, balé, nossa cor, nosso riso, compreende?" (Tenda dos Milagres, Jorge Amado)

Foto: Vitor Sá. Retirada daqui ó: http://br.olhares.com/preto_velho_foto1126977.html

sexta-feira, 25 de março de 2011

Invenciones


Pendurei postais  por toda a parede. Queria do azul uma cor menos celestial. Comprei livros novos e visitei todos os lugares que não conhecia muito bem: o meu quarto. O ócio é parceiro do tempo e, entre ritmos e frequências, distintas aqui se impuseram. 

A saudade me deixou dois remos e duas fotografias: a da cidade e a da montanha. No verso daquele cartão não havia um convite gentil, só uma ordem inflexivelmente seca: partir ou diminuir. E no fim, foi no ruído do vento, dobrando para a imensidão, que se deu a sua sentença: viver.

Procura-se uma cara


E eu que queria escrever mais e melhor só postei coisas levemente constrangedoras até então. E se digo levemente não é para suavizar a péssima qualidade dos posts anteriores, mas tão só e somente pelo fato óbvio de que esse é quase um blog anônimo. Daqueles em que os registros ou resultados para qualquer busca - saliente-se qualquer busca -  ficam sempre perdidos na página 487 da lista do Google.

Poderia agora falar da minha vida pacata e reclusa, dos livros que tenho lido, da maravilha que é Tenda dos Milagres, da bela porcaria que é Cisne Negro e dos poucos planos para o futuro imediato - digo hoje e amanhã de manhã talvez. Embora tudo pareça tão necessário para mim, escrever é uma habilidade efêmera - eventualmente ela passa por você e, a depender das condições, se pode agarrá-la a sua  própria maneira. Nada tem passado por essas correntezas. Voltar a escrever aqui é pela hiperatividade do meu superego. Ele, no masculino mesmo, anda me tolhendo o direito ao silêncio e obriga a rabiscar linhas para esse exercício aborrecedor e imprescindível que é escrever.

Quero mudar a cara disso daqui. Pensei em litetarutura, cinema, lugares e uma outra enxurrada de coisas óbvias como turismo, gastronomia e política. Enquanto não decido se tenho linha ou continuou aqui misturando tudo, é só isso que tem pra viagem.

Março

Se pego, ui, me entrego e fui.

terça-feira, 1 de março de 2011

Com dinheiro ou sem dinheiro, eu me viro em Fevereiro.


Fevereiro acabou ontem e foi a maior loucura do mundo. Estou há meses sem postar nada por falta de tempo, excesso de preguiça e, principalmente, pelos ensaios de verão. Cortejo afro, Harmonia, Sarau du Brown, Psirico, Ilê, Muzenza, Gerônimo, Margareth, Daniela, Timbalada, Baile dos Mascarados...perdi as contas de tantas festas. Vivi a maior paixão de verão, fiz amigos para vida toda, disse adeus pra quem queria ou precisava partir e me soltei no vento. 

Sei que em tese o verão começou em novembro, mas o meu, na prática, não acabou desde o ano passado. Foi muito lindo esse momento todo e sei que quando passar o furacão sentirei saudades. Vai mudar tudo e definitivamente fecharei um ciclo da minha vida. Suspiros bem leves.  Mas pra não chegar melancolia, até quarta-feira de cinzas, meu nome é CARNAVAL. Se prepara, Salvador.

PS: Queria ter escrito um roteiro dos Ensaios pra quem não conhece. Mas o ritmo estava mesmo acelerado.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Também é saudade


Há certas coisas na vida que nunca se encerram: o sussurro de uma canção de ninar, a casa que nos viu crescer, a fruta arrancada do pé  e algum amor perdido nos rumos do vento.


Lavagem do Bonfim


Quem é ateu que viu milagres como eu 
sabem que os deuses sem deus não cessam de brotar

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Vida de Léo Kret vira filme

Uma notícia dessas sempre pega com excessiva supresa a homofobia. Já imaginou Léo Kret nas telas de cinema e nas páginas de um livro? É ou não é pra fazer parte dessa gente desorientada torcer o nariz e achar que 2012 é agora? Sem entrar na seara política, mas é recorrente como, volta e meia nas entrelinhas do discurso sobre a vereadora, gente que se sente e se diz despojada de preconceitos diversos acaba incidindo nas velhas roupagens da opressão. Quer dizer, um intelectual que votou em Léo Kret só queria algazarra política. Ou seja, não pode. Agora um analfabeto que vota em Emiliano José, esse sim tem consciência política, não foi manobrado, etc e tal. Esse pode. Vai entender essa estranha democracia.

Vida de vereadora Léo Kret vira livro e filme




Do iBahia, por Camila Almeida

A dançarina e vereadora LeoKret do Brasil terá sua vida publicada e levada para as telas. O autor Binho Gomes está escrevendo um livro com rimas, poesias e frases de LéoKret e o cineasta argentino Carlos Pronzato produz um documentário sobre a vida dela da infância até a Câmara Municipal de Salvador.O lançamento do livro e do filme será esse ano em data ainda a ser definida.