Acabei de ler A Vida Está em Outro Lugar. Não preciso de muito esforço e reflexão para assegurar que o que mais gostei foi o título. Essa preferência absurda em relação à própria narrativa não significa que desgostei da história. Em absoluto. Kundera é uma descoberta. Só ele sabe fazer doer a alma com tanta paz. E isso, até então para mim, era uma contradição em termos. Marcou porque me fez ver que isso não é vida. Isso que eu vivo não parece vida. Não é minha, tenho essa impressão. E quando sinto que a vida existe é como se fosse um acesso intenso e rápido a outro plano. Depois a gente volta pra normalidade. Pra a normalidade dos outros. O acordar, o tomar o ônibus, as saídas com os amigos pra algum bar, a volta, etc. Isso me parece dos outros. De todos os outros. Não a minha vida. E é isso que me tem feito pensar que a Vida Está em Outro Lugar. Só pode estar, do contrário não faz sentido.
Abaixo alguns trechos que me fazem somente busca, nunca apreensão.
“Ela respondeu que naquele quarto estava em sua casa, enquanto que lá onde Xavier queria levá-la não teria nem o seu armário de roupas nem o seu pássaro de gaiola. Xavier respondeu que um lar não é um armário de roupas nem um pássaro numa gaiola, mas a presença de alguém que se ama. Disse-lhe depois que ele mesmo não tinha um lar, ou melhor, para exprimir-se de outra maneira, que seu lar estava nos seus passos, na sua caminhada, nas suas viagens. Que seu lar estava onde se abrissem horizontes desconhecidos. Que só podia viver passando de um sonho a outro, de uma paisagem a outra, e que se ficasse por muito no mesmo cenário morreria”.
“Mas não era apenas um sentimento de culpa que o empurrava para o perigo. Ele detestava a covardia que faz da vida uma meia-vida e dos homens meio-homens. Queria colocar sua vida na balança e que a morte estivesse no outro prato. Queria que cada um de seus atos, até mesmo cada dia, cada hora, cada segundo de sua vida fosse medido pelo supremo critério que é a morte. Era por isso que queria seguir à frente da coluna, andar sobre um fio acima do abismo, ter a auréola das balas ao redor da cabeça e assim crescer aos olhos de todos e tornar-se infinito como a morte é infinita.
O homem do boné olhava-o com olhos frios e severos onde pairava um brilho de compreensão.
- Pois bem, então vá! – disse-lhe.”
“As horas passadas diante do espelho faziam-no tocar no fundo do desespero; felizmente havia um espelho que o levava até as estrelas. Esse espelho sublime eram os seus versos; havia a nostalgia dos que ele ainda não escrevera, e dois que já escrevera lembrava-se deleitado, como se costuma lembrar das mulheres; ele não era apenas autor, mas era também o teórico e o historiador: redigia comentários sobre o que havia escrito, repartia sua produção em diferentes períodos e a cada um deles dava um nome, o que fez com que num espaço de dois ou três anos considerasse a sua obra poética como um processo histórico digno de um historiógrafo. (...) aqui o tempo era articulado e diferenciado; passava de um período poético a outro e podia (olhando para baixo de canto de olho, para aquela horrível estagnação sem acontecimentos) anunciar para si mesmo, num êxtase engrandecido, o advento de uma nova era que abriria para sua imaginação horizontes inimagináveis.”
E Jaromil jura para si mesmo estar sempre do lado daqueles que querem radicalmente transformar o mundo (Página 141)
“- Acredito que no amor não existe compromisso. Quando se ama, é preciso entregar-se por inteiro.” Página 153.]
“Xavier vivia de maneira totalmente diferente dos outros homens; sua vida era o sono; Xavier dormia e tinha um sonho; dormia nesse sonho e tinha outro sonho e dormia novamente nesse sonho e tinha mais um sonho: e despertava desse sonho e via-se no sonho anterior; e assim ia de sonho em sonho e vivia sucessivamente várias vidas; habitava várias vidas e passava de uma para outro. Não era maravilhoso viver como Xavier? Não estar preso a uma só vida? Ser mortal, sim, mas ter também outras vidas?
- Sim, seria bom...- disse a ruiva. (página 241)”