quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Feriadão

  
Pásssaro vermelho pra quem tá todo trabalho no dia 31, 13. Confirma. Voar pra quem vai ficar na liberdade sexta, sábado, domingo, segunda e terça. Liberdade segunda, pra quem é do Ilê e do Curuzu. Curuzu pra receber João Bosco. Outubro pra quem gosta de calendário e verão pra quem gosta da vida. 

Beijos.

Jogo dos sete erros. Ou ASI SOY YO

 

Curiosas fotos.
Estou pura poesia. Estou pura cafonice. Aceito o risco. Como todo mundo que vive, aceito o risco.


O que o vento não levou...

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
São as únicas que o vento não conseguiu levar: 
um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mário Quintana

O que faz andar a estrada? 
É o sonho. 
Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. 
É para isso que servem os caminhos, 
para nos fazerem parentes do futuro.
(Mia Couto)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sendo como posso

Andei revisitando os Últimos Poemas. Eis Neruda.


Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Todo menino é um rei, eu também já fui rei


Extraído daqui: http://www.juliemorstad.com (via @jamateipormenos.apostos.com)

Transversal do tempo

Dentro daquela hora, se prendia. Parado, cercado pelos corpos e dizeres cansados do dia, pensou no que tinha sido até então. E tudo tinha ido assim, sem as paixões que preenchem de desejos os livros encarcerados. Se era certo que não havia sido arrastado para aquele caminho, também afirmava que jamais havia feito escolha alguma, nenhuma decisão tomada ao seu contentamento. Eram no fim, pensava, dos desvarios dos destinos que padecia. 

Naquele instante, naquela cidade, subia-lhe à face o ar quente ejaculado da terra. Os olhos iam engolindo a poeira, como num ritual em quese anestesia a raiva somente para existir. Agora, tendo diante de si duas folhas vazias de sentimento, resolveu por enfrentar coisa alguma: soprou tudo pela janela, pela janela que dava no mundo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Los Hermanos


Quando se convive com pessoas impulsivas, ricas e, por conseqüencia, altamente persuasivas, a gente acaba nunca entendendo ao certo como saimos do trabalho às 18h, com a pretensão de chegar em casa e dormir lendo poesias de Manuel de Barros, e acabamos no Beco da Rosália, bebendo, comendo pizza, falando de física quântica e de  Dilma31. No meio do caminho, um show de Los Hermanos. Visto, revisto, cantado e relembrado. A segunda-feira trouxe a vida em dose dupla e com cheiro de recomeço.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

José Serra versus Joãozinho


Pra rir um pouco nessa sexta-feira e pedir que Oxalá nos afaste desse vampiro.  

Serra foi a uma escola conversar com as criancinhas acompanhado de uma comitiva do Jornal Nacional, da Veja e da Folha de São Paulo. Depois de apresentar todas as maravilhosas propostas para seu governo (se eleito), disse às criancinhas que iria responder perguntas. Uma das crianças levantou a mão e Serra perguntou:

- Qual é o seu nome, meu filho?

- Paulinho

- E qual é a sua pergunta?

- Eu tenho três perguntas. A primeira é: Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney?? A segunda é: Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay/Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso, onde o senhor passou o Réveillon??? E a terceira é: O que o senhor fez com os 10% da propina da compra de 891 ambulâncias na época em que era ministro da Saúde?

 Serra fica desnorteado, mas neste momento a campainha para o recreio toca e ele aproveita e diz que continuará a responder depois do recreio. Após o recreio, Serra diz:

-OK, onde estávamos? Acho que eu ia responder perguntas. Quem tem perguntas? 

Um outro garotinho levanta a mão e Serra aponta para ele, sorrindo para as câmeras da Globo.
 -Pode perguntar, meu filho. Como é seu nome?

 -Joãozinho, e tenho cinco perguntas: A primeira é: Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney?? A segunda é: Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay / Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso onde o senhor passou o Reveillon??? A terceira é: O que o senhor fez com os 10% da propina na compra de 891 ambulâncias na epoca em que era ministro da Saúde? A quarta é: Porque o sino do recreio tocou meia hora mais cedo? A quinta é: Cadê o Paulinho?

Sexta feira

Tem que saber que eu quero correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
Todo dia, todo dia. 

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Era assim como a borboleta


Se algum dia na vida eu fosse ter filhos, eles, parafraseanedo aquelas comunidades toscas de rockeirinhos do orkut, leriam Charles Dickens. Minha infância para sempre carregará esse espaço vazio de mundo. E seria cruelmente calculista se fizesse alguém padecer da mesma sina.

Errante navegante, por mais distante, eu jamais te esqueceria.



Ao regressar do outro lado da montanha, João Celestioso, com o vagar próprio dos sábios e dos homens mais sensíveis às reflexões sobre a existência, deixa-se saborear pela força de suas palavras: “Afinal, tudo são luzes e a gente se acende é nos outros. A vida é  um fogo: nós somos suas breves incandescências”.  Como num grandessíssimo espetáculo dado as atuações intensas, capazes de nos rasgar em humanidade e de nos encetar pelos caminhos dos mistérios que perfazem o nosso “ser”, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (Companhia das Letras, pgs. 262, R$ ?) , do escritor Mia Couto,  é uma convocatória do descobrir-se.

Descobrir-se indo ao âmago daquilo que nos faz existir, descobrir-se pelas alegrias e pesares alheios, descobrir-se retirando de si o que encobre e o que torna distante. Descobrir-se é também um exercício de imiscuir no íntimo aquilo que o poeta uma vez chamou de “Sentimento do Mundo”.  É dessa convocatória que se começa a partilhar quando nas primeiras páginas, Mariano, jovem universitário, embarca rumo à sua terra natal com o objetivo ardiloso de comandar a cerimônia fúnebre de seu avô, Dito Mariano. A África, ventre da humanidade, torna-se aqui o terreno da partida, da chegada, do encontro e da vida que se acende e se incendeia com tudo. Metáfora de si, do mundo e da existência, apresenta-se como a mãe condutora do enredo preenchendo-o com cantos escuros, com os mistérios mais difíceis e com a necessidade veemente de viver.  A esse desafio, Mariano entrega-se.

O cenário, Luar-do-Chão, que por natureza nos impele para a sensação de que contemplar o distante é ilusão, uma vez que ele está sob os nossos pés e alcances, é Moçambique, terra de Mia Couto. Quem espera ver no país, resumido pela obra na rígida fronteira cidade-ilha,  a  pobreza generalizada, vista, revista, filmada e fotografada pelas lentes ocidentais, se surpreende com riqueza. Com riqueza de histórias, de personagens, de misticismo e de tradições e de valores de um mundo que já não é, mas que segue pulsante. A surpresa, entretanto, não permite cair em ilusões e na fuga – é ficção, mas existe um real sendo representado, dando pistas imprescindíveis para falar de um povo e de suas vivências. Assim é que, mesmo não se tratando de um texto assentado na crueldade do realismo, na denúncia explícita das questões envolvendo África e seus filhos, a pobreza, a miséria social – muitas vezes imbricada na miséria humana-, a relação de exploração bem como a busca infinda pela dominação daquilo que está além do nosso poder, são elementos que interferem no desenvolvimento da trama e no desenrolar de seus conflitos. Uma noção de interferência, a bem da verdade, amplificada, posto que Luar do Chão e a cidade esboçam e traduzem o mundo verdadeiro (é possível mesmo haver essas distinção?) e os seus (des) encontros.

Costurada por frases que, muitas vezes, parecem ter sido talhadas pelas mãos negras dos canaviais, rasgando-se na busca por ritmos e cadências particulares, a obra resvala-se no universal.  É uma luta permanente entre permanecer resistindo e se entregar os desvarios da cobiça, da ganância e de todos os elementos que afastam o homem do seu descobrir-se. Assim é que o regresso de Mariano da cidade, completamente lavada pela água do capitalismo moderno, à Luar de Chão expõe o confronto dos universos.  É um dilema que se coloca acima de reproduzir, grosso modo, o maniqueísmo da literatura oitocentista européia.   Não é escolher entre o bem e o mal, mas entre ir ou não ao essencial, ao essencial que, como pronunciou o português Saramago, é “invisível aos olhos”.

Nessa briga, permeada pelos ditames do pós-colononialismo, é como se ao mundo inteiro fosse feito o pedido bíblico de voltar ao pó, de se reduzir para renascer verdadeiramente grandioso. Assim é que a cega Miserinha, a mãe Mariavilhosa, a avó Dulcinesa, o pai Fulano Malta, o avô e diversos outros que,como João Celestioso, nem adentram de fato na narrativa, seguem a risca essa empreitada. Aos poucos, os enigmas por trás da morte do avô e o passado, que, de forma recorrente, é objeto de esquecimento e de lembrança, se fundem para um tempo muito próprio: o tempo da existência. É desse ritual que os personagens, no confronto por despir-se e se achar, compartilham.

Evidente que todo esse jogo recai sobre muitas metáforas, artífices importantes para a compreensão do nosso mundo independente de fronteiras entre ilhas e cidades. Couto, também autor do magistral Terra Sonâmbula, faz uma leitura da existência humana sobre a terra a partir da contemplação do que lhe é mais caro: o rio, as árvores, o céu, a terra, o ar tocando as rugas do rosto e o fogo incandescente, dono da vida.  Os próprios nomes atendem a esse propósito, aqui construído de maneira aparentemente despropositada. Na casa intitulada Nyumba-Kaya, transcorrem os mistérios dos homens. Essa casa, transformada em personagem tamanha sua força e vestígio de humanidade que possui, nada mais representa do que a própria terra, tal como nos indica o título original da obra. Mas, afinal, foi dado ao ser humano a possibilidade de encontrar algo no seu “descobrir-se”? O que exatamente se poderia encontrar nessa busca tão confusa, sem regras ou caminhos estabelecidos?

A estas perguntas, numa das secretas cartas, o protagonista nos responde questionando: “A terra pode amolecer por força do amor?”.  E, logo em seguida,  nos dá o ponto de partida e de chegada de todos os demais personagens da história: “Só se o amor for uma chuva que nos molha a alma por dentro”.  Adiante, esclarece: “A chuva é só uma. É sempre a mesma chuva, apenas interrompida de quando em quando”.  É para esse momento de interrupção que Mia Couto nos propõe a travessia.  Religar os fios do mundo para nos entender e nos fazer des-cobrir da nossa loucura e da indiferença cotidiana. Pintá-lo com as cores da beleza, demovendo-lhe da feiúra, da mesquinhez, da sua pobreza, fazendo-o respirar, enchendo rios com esperança.  Do ideal leve e, ao mesmo tempo, comprometedor de perceber que encontrar a vida em outro lugar é encontrá-la em si mesmo, sumindo, reforçando-se e se alimentando dessa seiva que emana da mãe terra e do senhor tempo.  “Da seiva amor”, nos diz.

Frases bonitinhas pescadas do livro. 


“Quando já não havia outro tinta no mundo
O poeta usou de seu próprio sangue.
Não dispondo de papel,
Ele escreveu no próprio corpo.
Assim, nasceu a voz,
O rio em si mesmo ancorado.
Como o sangue: sem foz nem nascente”

“Sou como a palavra: minha grandeza é onde nunca toquei.” Avô Mariano. 

“-Por que demoraste tanto?
-Não fui eu, Tia. Foi o tempo”.


“Não quero sair nunca mais.
- Tem medo do que?
- O mundo já não tem mais beleza.”

“O mundo já não era um lugar de viver.
Agora, já nem de morrer é”.  Avô Mariano.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

E aí, deputado?






Desde o dia quatro de outubro, tenho achado surpreendente a ojeriza destilada pelos os nossos setores médios pretensamente intelectualizados ao deputado federal mais votado do país, o cearense Tiririca - para o qual William Bonner se refere como "palhaço", num jogo dúbio de palavras visando a desqualificação e a picardia generalizada. Foram 1 milhão e 500 mil eleitores que, ao verem a cara do celebrado artista dos anos 90/00, autor de hits como Clementina de Jesus e manjedouro de bordões quilate "Não sei tu me amas, pra que tu me seduz", apertaram com força o botão verde - que, felizmente, não pertencia a onda do soumarineiro43. Agora, a Justiça brasileira, gestada no ranço preconceituoso, elitista e extremamente raivoso e racista de São Paulo, quer cassar seu mandato antes mesmo dele assumir. Alegam fraude onde só existe perseguição com fortes doses de mal-estar.

Não faço coro de apoio, não pretendo pintar a cara e sair pelas ruas defendendo essa candidatura. As qualificações já demonstradas de Tiririca o impelem para os palcos e não para o Congresso Nacional. Embora se palhaço, tal qual Bonner rotulou o artista, tenha casa, essa casa tem endereço: Brasília. O estarrecimento da situação vem do lamentável fato de que não vi nenhuma pessoa - cabe, salientar, pessoa na timeline- fazendo alguma provocação interessante sobre essa vitória esmagadora, incontestável e legítima. Vitória essa que nos permite leituras fundamentais sobre a nossa democracia e sobre a confiança que o povo brasileiro tem nas suas instituições. 


Só mesmo sendo leviano e tendo muita, muita má-fé se poderia dizer que os eleitores de Tiririca são todos ignorantes, tapados e descomprometidos com o seu país. Pessoas loucas que votaram por protesto – aqui recorrendo a essa odiosa expressão, que além de vazia e de pouco esclarecedora reduz as convicções e os pensamentos das pessoas a um mero “protesto”. São 1 milhão e meio de pessoas. Nesse pacote, cabem pessoas estúpidas, torcedor do Corinthians, hipponga, concurseiro, franelinha, agente comunitário de saúde, baleiro de sinaleira, vendedor de coxinha, etc e tal...e até intelectual da Usp. São pessoas que, independente das motivações, percebem, inevitavelmente, como a nossa democracia chafurda na lama, esgotando-se porcamente em si mesmo e sujando tudo o que se encontra num raio que vai do Oipoque ao Chuí. Claro que a reação delas a esse fato não é das melhores nem a única alternativa – por sorte nossa, uma vez que são nesses momentos de ausência de referências e de caminhos que costumam surgir fenômenos como Tiririca, Mulher Pêra, Popó e assim por diante.

Mas há, nessa eleição, traços inequívocos de que nosso sistema representativo faliu. Se durante todo esse tempo enviou-se pessoas ditas “sérias”, com notório saber social, de reputação ilibada, dentre outras qualidades inquestionáveis no nosso jogo de distribuição de competências, e essas pessoas responderam com lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, troca de favores, clientelismo, cometendo crimes constantes e irremediáveis contra a administração pública e, portanto, contra o país, então, nada mais adequado do que fazer a arruaça, cair nas graças do oba-oba e fazer de Brasília uma imensa brincadeira. Exatamente como os políticos, que historicamente tem se dirigido para lá, tem tratado o país.

Para além desse fardo pesaroso, paira outro aspecto: os nossos velhos ideais iluministas de querer sempre tutelar as escolhas do povo, se excluindo, inclusive desse coletivo, menosprezando os seus saberes. A posição sempre cômoda de enxergar o inferno nos outros. Como se a indignação por Tiririca fosse algo realmente necessário, bom e oportuno. Esquecendo, por assim dizer, que nossa ira salvaguardadora dos ideais democráticos deveria recair implacavelmente contra a ida de Fernando Collor ao 2º turno, contra a vitória de Renan Calheiros ao Senado, de Mário Negromononte – sanguessuga - ao Congresso, da possibilidade de vitória de Weslian Rorirz em Brasília, e de tantos outros que usaram a máquina pública para fazer cair pesadíssimas barras de ouro em suas respectivas contas bancárias nas Ilhas Cayman. Ou mesmo daqueles que representam  severos entraves aos avanços pela liberdade e pela igualdade social. A corja que sobe no púlpito para cuspir perdigotos contra o casamento gay, o aborto, em defesa dos transgênicos, contra a demarcação de terras indígenas e quilombolas, aqueles que, como Demóstenes Torres, acham que racismo é coisa da cabeça trançada de preto. Para os canalhas, a Justiça se faz seletiva, inoperante e, costumeiramente, parceira. 

Esses sim, são os que nos matam. São os que estrangulam nossas utopias e nos empurram para o calabouço do atraso, da ignorância. Condenam-nos a viver com medo, cerceados do nosso direito de existir coletivamente. De Tiririca, não se pode temer. Ele ainda sequer sabe o que um deputado faz, o que, nesse estágio, é um ponto extremamente considerável. E convenhamos algumas palhaçadas e projetos malfadados no meio desse caldeirão, definitivamente, não são capazes de fazerem as coisas ficarem pior do que já estão. 


Na foto: A capa do jornal Meia Hora dando o tom dos próximos quatro anos. Muito suspense e terror no cemitério Brasil.  

domingo, 3 de outubro de 2010

Descanso


"Dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma. Felicidade se acha é só em horinhas de descuido".

Guimarães Rosa - Manuelzã e Miguilim


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Outubro


Primeiro que achei a coisa toda muito cômica e definitivamente encontrei a definição para o estado de espírito que pode misturar desconfiança e fofura. Segundo que o espião claramente tem problemas existenciais, de identidade e de aceitação - percebam: ele realmente tem cara de que acredita ser um gato. Sou eu. E, por fim, essa é a exata sensação que tenho na minha vida hoje: Eu acho que existe um espião entre nós (e não, não é o Google Street View). Bem vindo, Outubro! Acabe logo com o ano. 

Da esquerda pra direita: Eu, Lucas Thethê, Glauber (claro) e Thiago. 

Incompatibilidade de Gênios


Sempre restará ao homem músculos. Esse talvez seja um dos maiores legados da contemporaneidade. O fenômeno do corpo tido como perfeito repartiu-se em mil academias para cada 50 mil habitantes. Machões insatisfeitos com a aparência praticamente imutável caíram definitivamente nas garras do adesismo do homem-camarão: cortem a cabeça, comam o resto.

Já que não se podia admirar os traços inequívocos de beleza e a simetria que compõem o próprio corpo, ao menos, pensam, se pode desviar o olhar para a região que segue do pescoço ao dedão do pé. É que para aparecer bem diante de um flash, as lições do mundo pós-moderno foram bem claras: vale tudo. Da barriga tanquinho de guerra (só se for de Cabul) até o volume das batatas, passando pelos energéticos, suplementos e receitas caseiras a base de ovo e sal, tudo está nos conformes, acredita-se.

Num ritmo frenético e avançando ostensivamente sobre os jovens que nem sabem ainda diferenciar uma fralda de um absorvente, o corpo malhado se exarceba pelas ruas do país. Mostra-se de forma ritualística em qualquer estação e, nas cidades litorâneas, são pontos turísticos mais relevantes do que o Farol da Barra ou Calçadão de Copacabana, numa relação simbiótica  com a cidade.

Embora o tema não seja absolutamente novo – e, de fato, não é- assusta de forma visível a necessidade de puxar ferros, de correr 2h, 3h sem sair do lugar, de levantar peso em nome da estética. É como num imenso abatedouro. Todo mundo igualzinho, se alimentando da ração que servem, pegando massa, se esforçando para a morte de si mesmo.

Não se sabe ao certo quem imiscuiu na cabeça das pessoas que corpo malhado aumenta as chances da paquera ser bem sucedida. Porque, em geral, essa turma do braço-de-pão com copo de cerveja, que faz VIDA LOKA e coloca no Orkut, se aglutina em espaços onde homens e mulheres pagam para se chupar. Trivela, festivais de Axé Music ou, para não incidir em preconceitos bobos, nas Raves da vida. Se a pessoa pactua com aquelas condições, o corpo é só um mero detalhe. Claro que um detalhe sexualizado, que projeta referências de masculinidade, virilidade e até pode fazer mocinhas desavisada confundirem Ricardão com Aquiles. Ou seja, o mérito (se há algum, claro) não é pagar 300 reais na Vila Forma, mas sim pagar 300 reais no Open Bar do Ensaio Geral.  E com a bebida fazendo o mundo girar mais depressa, pouca coisa importa e nem precisa divagar muito para saber que fora dali sobra quase nada.  

Assim, inevitavelmente é para a região acima do pescoço que as coisas se voltam. Sem fazer discurso de jovem que não freqüenta academias por princípios e que está em fase de intelectualização frouxa, é dessa maneira que precisamos encarar os fatos.  Não há nenhum relacionamento sério que se sustente somente entre bíceps e barriguinha bem definida. Desconheço relações heterossexuais – sim esse texto tem orientação – verdadeiras funcionando só a base de academia. Evidentemente, acontece das Barbies se encantarem pelo Ken e fazerem exibicionismo público. Daí que nas 5 primeiras frases cuspidas no bar, a mesa finge que não entende. Nas 3 seguintes, fica o constrangimento. E nas 2 últimas ele nem fala. Porque, embora o fenômeno “come o resto” tenha certo espaço no meio, todo mundo já sabe que camarão que dorme, a onda leva. 

PS: Trabalho com generalizações. Quando quero, claro.