terça-feira, 17 de novembro de 2009

Viver a vida


Na semana da Consciência Negra, Manoel Carlos deu o seu recado para a militância e simpatizantes da causa: continua tudo igual. Para não cair no sectarismo, quase tudo igual. A mucama comete um crime do qual não é culpada, pede perdão à senhora e, não suficientemente humilhada, se ajoelha para receber uma bofetada violenta. A personagem açoitada chama-se Helena, nome cuja tradição nos nossos canônes literários e televisivos remete a uma senhora branca e elitista. A cena se desenrola com hostilidade e com uma ameaça velada: ou se comporta ou vai pro tronco.

Não, a novela não se passa no século XVII. A Helena, de Manoel Carlos, é uma mulher pós-moderna e pós-racial. Aqui os rótulos não são meramente adjetivos, mas uma liguagem extremamente refinada, pensada e naturalizada para esconder o racismo estruturante e celebrar, sem o menor constrangimento, o mito da democracia racial. Escapando do combate, Gilberto Freire vive. Talvez o maior celeuma deixado de legado pelo episódio é o reforço veemente à ideia de que o senso de justiça, que nesse caso nem existe, é muito superior as questões raciais, e que, consequentemente, são dois polos intocáveis. Ora, é a história e o presente que nos mostram o quanto esses elementos estão tão intimamente vinculados ,que é impossível dissociá-los sem afetar consideravelemente o outro.

Manoel Carlos despreza estupidamente a realidade em nome de sua ficção que, curiosamente, se pretende ser realista. Respeito a licença poética e a criação, embora não respeite o silêncio frente ao racismo. Poderíamos mesmo imaginar o contrário? Subverter essa relação? Se a negrinha estivesse no lugar de Tereza, e o golpe fosse desferido contra a mulher branca, a moral e os bons costumes mandariam surrá-la na primeira esquina. E, como no Leblon, as pessoas confundem atores com personagens, Thaís Araújo correria o risco de ser massacrada na vida real. Essa sempre foi a forma deles de sufocarem o que é da ordem da historicidade. Foi o negro brutalmente escravizado e ojerizado. E foi também, na dura resistência de 5 séculos, que estamos vivos pra contar uma outra novela. O tapa foi dado em Helena, mas doeu em todos nós.

4 comentários:

Carina disse...

Doeu muito mesmo.

Kassan! disse...

Realmente este texto ficou muito bom mesmo. E preciso reagir contra as sórdidas manipulações impostas pelas Organizações Globo.

create me disse...

Talvez uma das cenas mais deprimentes de que eu tenha prestados atenção em novela. Como não acompanho tive que ver o video...
O que vi foi a negra rica que chegou a alta sociedade, culpada por não ser forte e tolerante o suficente para aturar a bruguesa de sangue; onde o sofrimento pelo acidante, não é caracterizado como fruto do seu mau comportamento e sim da fraqueza dos outros( o de Helena) por não à aturar...
A Alienação é incrivel, até na fotografia onde a Thais Araújo, aparece em trajes simples, tons claros e sem maquiagem, e a outra atora (desculpa não sei o nome), aparece maquiada e bem trajada, o ponto maximo da cena, é a submissão, subordinação aos caprichos da matriarca... que defende sua prole, obstante de qualquer culpa da mesma.... Onde mesmo prostada recebe a bofetada, vc é a culpada do seu sucesso e do meu fracasso... a inversão do papel natural das coisas...
"Negros vcs são os culpados pelo próprios e nossos sofrimentos"

Gilvan Reis. disse...

Pois bem, a composição da cena, enquadramento, figurino e diálogo são abomináveis.