Três e meia, tarde de terça-feira, tarefa: cobertura do I concurso de monografias da Bahiatursa! Só de pensar já entro em coma. Aí, quando você está lá quase dormindo no meio daquela rasgação toda, surge isso aí:
O primeiro atingiu a pálpebra esquerda, trazendo-lhe o desconforto de estar no mundo. O outro caiu vertiginosamente contra a estrada que seguia. Vendo-o se transformar em nada, se desfazendo diante daquilo que poderia ser a imensidão, sentiu o infortúnio de rasgar-se em vida. E agora que existia, poderia contar algumas histórias
terça-feira, 29 de abril de 2008
domingo, 27 de abril de 2008
Eu fui!

Vou escrever no calor do momento. Ontem, o Teatro Castro Alves viveu mais um dia de glória. Um desses momentos únicos em que se fez história para a música brasileira e também para a música cubana. Um encontro memorável mesmo, daqueles que não se pensa sequer no rombo financeiro que o valor do ingresso vai causar no seu orçamento. O encontro de Maria Bethânia com Omara Portuondo foi emoção do começo, quando elas cantam O cio da Terra, até o fim, quando encerram o show com O que será? e Palavras. O encontro das duas foi como o de Chico Buarque com Caetano Veloso nos anos ferrenhos da ditadura, antes deles partirem para o exílio. E viver isso é inexplicável. Bethânia praticamente não falou. Omara era o carisma em pessoa. Ouvir Gente Humilde foi como sentir o peso de 500 anos de saque, exploração e miséria da América Latina. Um canto penoso, quase um murmúrio, mas, ao mesmo tempo, forte, intenso. Depois foi a vez de Bethânia interpretando Partido Alto, O ciúme e Começaria tudo Outra vez. E eu não tenho dúvidas de que é a nossa maior intérprete. Omara se embolou um pouco em Marambaia, mas nada comprometedor. Fato: ela é tranqüilo, calminha, mas rouba a cena em muitos momentos do show. Dança, samba, interpreta, brinca e coloca o TCA em pé pra dançar Guantanamera. Por fim, ainda posso ouvir Bethânia dizendo:
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
domingo, 20 de abril de 2008
Aí, ó...

Hoje é o aniversário de Rubens, meu primeiro grande melhor amigo. Faz uns oito anos que eu o conheci. Nesses anos todos, eu nunca briguei com ele. Nunca mesmo, nenhuma discussãozinha, nada. Ele ainda era uma pessoa tímida. E agora escrevo não apenas para expor meu apreço, minha consideração, minha amizade. É quase que uma obrigação dizer algumas coisas pra ele e só me sinto mais livre se for escrevendo. Rubens é um exemplar único. Foi o único, na verdade, que me provou que músculos e inteligência podem ser altamente compatíveis. Sim, ele sempre foi uma das pessoas mais inteligentes, com uma memória visual impressionante, do tipo que dominava qualquer assunto e tema se alguém conseguisse explicar claramente do que se tratava. Ele bem sabe que isso era impressionante. E o conhecendo bem, ele ainda deve continuar sendo assim lá em Direito. Ele é um amigo que some, some mesmo. Aí você deixa um scrap e um século depois ele te liga brincando, fingindo ser outra pessoa e você (eu) acredita e leva a sério. E é engraçado porque toda vez que a gente se bate (e é verdade que queria encontrá-lo mais vezes) é como se ainda estivesse ali, sentado em uma das cadeiras da escola, ele contando alguma piada ou me fazendo quebrar a cabeça para responder alguma dúvida e parece, juro, que nada mudou. E antes que esse texto se alongue demais, quero só esclarecer que sendo a primeira pessoa que me disse “oi” naquela escola, sendo o meu primeiro grande melhor amigo, e sendo uma das pessoas que eu mais admiro e que mais considero você tem a obrigação de passar o restante da vida ligando de vez em quando, contando piadas, perturbando a ordem (das pessoas e do país, rsrs), dizendo besteiras, mantendo esse coração generoso e sendo esse amigo fantástico que tem sido ao longo desses anos todos. Meu amigo, você sabe que está no meu coração. E é para sempre.
PS*: Tive que viajar hoje, então, vou estar em espírito na sua comemoração, ok? E nem adianta dizer que não vai me perdoar porque eu sei que você vai.
PS*: Tive que viajar hoje, então, vou estar em espírito na sua comemoração, ok? E nem adianta dizer que não vai me perdoar porque eu sei que você vai.
sábado, 19 de abril de 2008
Quando eu crescer...
Nessas duas últimas semanas, andei por toda cidade entrevistando pessoas para um caderno especial que o jornal vai fazer. De todas as pessoas com quem falei, eu destaco duas: Iracy Picanço, da Faculdade de Educação da UFBA, e Vilma Reis, uma intelectual negra também da UFBA.
Iracy é uma senhora simpática até o último fio de seus cabelos brancos. Pedi dez minutos e levei uma hora. Ele falou sobre tudo, tudo mesmo. Lá dos tempos em que conviveu com Anísio Teixeira, com Paulo Freire, com Fernando Henrique, lá dos tempos em que tinha 15 anos de idade e dava aula para alunos de baixa renda, dos tempos em que sofreu um auto-exílio no Chile, de como ficou desempregada com o ato institucional. E falou tudo isso com uma precisão e uma clareza admirável. E também não preservou Lula. E eu adoro quando as pessoas não preservam Lula. Porque no Brasil parece que as pessoas que se diziam de esquerda sofreram todas de uma amnésia coletiva ou então de um cegueira, dessas que nos fala o Saramago. Não que as teorias tenham que ficar estáticas e incólumes ao longo dos séculos, como alguns desejam, mas falar do Collor, do Fernando Henrique e não falar do Lula é demais, né? Aí é demais. Mas Iracy não é só análise. Eu acho que nunca vi uma pessoa com os seus sessenta e poucos anos falando de esperança na humanidade com tanto entusiasmo como ela. Eu realmente nunca vi. Até porque a tendência é sempre o oposto. Mas Iracy fala e fala de tal forma que faz você acreditar. No final, ela me deu um abraço apertado e “volte sempre, volte sempre”.
Ontem, depois de muito ligar, marcar e remarcar, consegui entrevistar Vilma Reis. Eu conheci Vilma na II Conferência de Intelectuais Negros da África e da Diáspora, que aconteceu aqui em Salvador em 2006. Pelo que percebi do evento, as delegações estrangeiras eram compostas em sua maioria por mulheres e homens altamente bem vestidos e que exalavam perfume de dinheiro. E aí você se pergunta: onde está a população negra pobre que de fato é marginalizada e oprimida? Quer dizer, é melhor não perguntar porque vai que uma dessas pessoas respondem “estavam sem dinheiro” e te acusam de racista e essas coisas todas. Fato que do II CIAD, a palestra de Vilma Reis foi a melhor, a mais precisa, explicativa, etc, etc. As outras ficavam mais no: “os negros sofrem racismo, o racismo é ruim, logo vamos acabar com o racismo”. O que mudava era o sotaque e a capacidade de ordenamento das idéias, o que fez com que volta e meia surgisse uma participação constrangedora, tipo Toni Garrido. Mas Vilma falava com muita emoção, com as palavras incisivas e apresentou dados e soluções concretas. Ontem na entrevista, senti a mesma coisa. Apesar de ser uma intelectual negra respeitada e conhecida, me parece que ela não se deixou levar pela vaidade, coisa muito comum em ambientes acadêmicos provincianos em que os professores praticamente dão a vida para ganhar uma bolsa do CNPq. Vilma pensa o país, mas sem sair da sua condição de povo, da sua condição de mulher negra. Vilma também foi empregada doméstica, mas diferente do que algumas pessoas que tocaram a calçada da fama através do movimento negro, ela não usa da sua condição de ex-emprega doméstica para dizer: “Olha, ta vendo como é possível? Todo mundo pode! Eu já limpei o chão e hoje estou aqui”. Não. O fato de hoje ser intelectual serve para denunciar a condição de exploração de todas as domésticas, que tão comumente são sexualizadas e viram a primeira puta na vida dos filhos de seus patrões.
E Vilma é do tipo que diz que entre esquerda e direita é preta, do tipo que mesmo tendo uma atuação em instituições internacionais reconhecidas fala como uma mulher do recôncavo, do tipo que mesmo tendo lido dezenas de autores influentes deixa claro que a maior influência que sofreu em toda a sua vida foi a de sua avó. E eu gosto de intelectuais assim, que pensam, atuam, transformam e conseguem viver na realidade, se recusando a ficar trancafiados em salinhas cômodas, climatizadas e limpinhas, engolindo Platão, arrotando Gramsci e suspirando Eco.
E Vilma é do tipo que diz que entre esquerda e direita é preta, do tipo que mesmo tendo uma atuação em instituições internacionais reconhecidas fala como uma mulher do recôncavo, do tipo que mesmo tendo lido dezenas de autores influentes deixa claro que a maior influência que sofreu em toda a sua vida foi a de sua avó. E eu gosto de intelectuais assim, que pensam, atuam, transformam e conseguem viver na realidade, se recusando a ficar trancafiados em salinhas cômodas, climatizadas e limpinhas, engolindo Platão, arrotando Gramsci e suspirando Eco.
domingo, 13 de abril de 2008
F. Pessoa
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,S
onha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,S
em saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,S
onha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,S
em saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
Opa, eu acho que te vi hoje

Tenho a impressão de que carrego sempre uma placa com luzes em néon escrito: falem comigo. Na primeira vez que parei e fiz essa constatação foi quando um ser não muito racional berrou, raivosa, no meu ouvido: “Os pecadores vão pras TREVAS do INFERNO”. Dias depois, uma mulher vulgar me viu passando com óculos escuros num dia nublado e...: “Eta, mas hoje está fazendo um sol que é uma beleza!”. A idéia de que eu carregava um cartaz subia, então, de status: agora era minha tese pessoal. O primeiro teste de sua veracidade foi na semana passada. Uma daquelas criaturas mal pagas que ficam na rua fazendo cartão do Itaú estava silenciosa, com a maquiagem toda derretida e com cara de quem topa comer qualquer pratinho de feijão com arroz. Com colher, claro. Acontece que várias pessoas passavam e ela quase não abria a boca. Isso até eu passar. Juro que a rua praticamente parou pra ver de onde estava vindo o tiroteio. O grito era atropelado, insano, algo do tipo: “VENHAAAAAAAAAA JOVEEMMM, VENHAA FAZER O SEU ITAÚ CARDIII! É AQUI MESMOOOO”! A única coisa que se pensa nessas horas é: "consciência, eu morri!".
Como se já não bastasse a conclusão verdadeira de minha tese, ontem tive a evidência de que não há nada suficientemente ruim que não possa ficar pior. Sem nem me dar conta da existência daquele ser, passei, muito apressadamente, por um cara empurrando o carrinho de cachorro quente (ou algo do tipo), quando ouço descaradamente e intencionalmente um: “Que delícia!”. Céus, aquilo foi o fim. Acho que se eu andar nu, as pessoas notariam menos. E eu nem contei dos inúmeros trombadinhas que tendo um leque de possibilidades para assaltar as pessoas, resolvem, SEMPRE, me abordar.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Para ela

Falávamos de estrelas, de solidão, de desejos, de sonhos e de vida. Falamos das noites e dos dias em que nada parece fazer sentido. De tempos de ignorância, de desconhecimentos, de barbáries. Falávamos também do silêncio. E não falávamos nada. E, no entanto, sentíamos, sentíamos intensamente. E exatamente por ser tão intenso, sentíamos. Foi cruel, uma leveza que não se justificava e, por isso, merecia existir. Existir como uma necessidade imperiosa, uma explosão, um descontrole. Sinto dizer que não terei outra conversa assim.
Sorte
Se aquela estrela
Velar por nós
Será que escuta minha voz?
E me
ajuda
atravessar
a noite escura
que vai passar...
Pode estar escrito
em algum lugar
Ou a gente escrevea
o caminhar
Onde estiver
olhe para o céu
Essa estrela vai guiar
onde você for
Seja o que for
tiver que ser
Olhe para o céu
para agradecer
Pode estar escrito
em algum lugar
Ou a gente escreve
ao caminhar
Pode estar escrito
em algum lugar
Ou a gente escreve
ao caminhar
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Alguém me explica...

Confesso que li A Lentidão, do Milan Kundera, esperando mais. O livro até seria fantástico e original. Seria. Bastava que não fosse do Milan Kundera. Depois de ler A Ignorância, A Cortina, A Brincadeira e A Insustentável Leveza do Ser o leitor é automaticamente levado a condição de máxima exigência: ou é fantástico ou é “legalzinho”. Já ouvi rumores de que A Lentidão, cujo tempo máximo de leitura equivale a uma aula pífia de Comunicação e Ética, é o livro mais engraçado do Kundera. Francamente, não é engraçado. As pessoas devem rir da palavra cú, usada inúmeras vezes em diálogos, sub-pensamentos, bocejos e nota de rodapé durante todo livro. Não vi graça. Tom Zé, no show bizarro que fez no Porto da Barra, declarou em alto e baixo som (sim, estava péssimo) que aquela era a primeira vez que conseguia ver a vagina da praia porque antes só via o cú do porto. Cerca de 40% das pessoas presentes bateram palma porque sempre batem palma pra tudo que alguém, dotado de um microfone, de uma banda e de um palco, fala. 5% ficaram sem entender a analogia, metáfora, comparação ou o absurdo literário disparado por aquele senhor com claros sintomas de que está entrando pra quarta idade – a da caduquice. 5% entenderam ou pensam que entenderam, fizeram murmúrios estilo ele-já-fez-coisas-melhores. O restante achou genial alegando a suposta genialidade sobre o fortíssimo, longo e explicativo argumento de “é genial, porque foi genial, genial mesmo, o cara é genial!”. Deve ser mais ou menos essa a reação dos leitores de A Lentidão. Eu, pelo menos, continuo na mesma do ele-já-fez-coisas-melhores.
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