Mostrando postagens com marcador Roland Barthes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Roland Barthes. Mostrar todas as postagens

domingo, 22 de novembro de 2009

No reino da beleza


"Gente bonita" é possivelmente a expressão mais sutil que a classe média usa para expressar seu desagrado com gente preta de cabelo trançado. Tocar novamente no âmago do racismo pode até parecer repetitivo e apelativo, já que estamos no novembro negro. O mote para esse escrito, no entanto, é a recorrência com que escuto alguns desorientados de fora da Bahia (ou de dentro) se espantarem com a suposta feiúra do povo, especificamente, daqueles que circulam pelo Pelourinho, Cidade Baixa e Invasões. Preliminarmente, a acusão genérica não tem eco numa realidade que é tão plural e diversa. Notem que não estou caindo no simplismo de apenas dizer que na Bahia não há feios, se é que podemos lidar com essa terminologia. O meu exercício aqui é destrinchar que por trás dessa fala se esconde uma ideologia. É o que Roland Barthes trata no seu texto clássico Mitologias. Dizer que os baianos são feios esvazia de historicidade o conceito de beleza, de negritude e de afirmação da cultura. Mas, ao esvaziar de sentido, produz a ressignificação. E aí, crescem as raízes da discriminação racial.

Percebam que se a festa cool, com convidados da classe média e alta, tem "gente bonita", de antemão nós sabemos que se trata da branquitude subserviente ao modelo hegemônico de beleza. Por outra via, se o aglomerado humano se balança ao som do pagode e deixa ao vento seu rastafari a primeira coisa dita é: "deus me livre! Só tem gente feia e pancadaria". O que pode ser traduzido, sem nenhuma reserva, como só tem preto. Entretanto, no Brasil, racismo bom é racismo estrututante. É aquele que se esconde na base das instituições e que se firma nos laços societários com poucos vestígios de sua presença. Somente um olhar apurado torna capaz de desnudar a falsa naturalidade. É, precisamente por essa razão, que quando alguém fala só tem "gente bonita", o sujeito constituído não se sente racista - ele consegue distinguir pessoas belas das feias porque sabe, por exemplo, que a Mãe Menininha é feia, a Deusa do Ébano é exótica e Gisele Bunchen é bonita.

Se racismo nesse país é coisa de negro, eu como um, quero ser racista pra dizer: na Bahia só tem gente bonita.