
Quando por volta das três da tarde chegou a notícia de que um passo amador havia, por fim, terminado o espetáculo de Loraine, todos nós do pequeno Pontal ficamos mais velhos. Até aquele derradeiro instante o circo era a coisa mais convicta para os nossos delírios. De tantos saltos, acrobacias e mágicas advindas de todos os lugares escondidos, permanecia uma exaltação infantil, um borbulho de deslumbre. Tal como um grandíssimo encantamento. Pois sim, era um grande encantamento – e isso era tanto, tanto, tanto que não tinha pensamento capaz de cercar os limites. Porque era um universo intocável, do tipo que guarda para a infinidade saberes e contornos perfeitos de algo que nunca, nunquinha poderíamos reconhecer semelhança ou mesmo humanidade. Era o circo.
Logo perto passava o ribeirão negro; tomava o ar pelo barulhinho insistente da água viva cortando as pedrinhas do caminho. Os tipos de bichos e de homens, os atos selvagens, as cabeças e patas que poderiam emergir daquela podridão indescritível perturbavam nossos medos. Por essa imaginação assustadora, tínhamos temores e, quando obrigados a cruzar por cima do ribeirão, corríamos para não sermos pegos. Por toda volta, estavam também os matagais. Sem poda e sem beleza, eram arrebatados pelos mistérios do coaxar de uma rã e pelo tormento causado pela aproximação inevitável das cobras.
Era sim o circo, vó, era sim o circo, repetia e repetia. Chegou hoje pela manhã. Por cima do quintal dava pra ver bem a lona amarela, suja de barro, os paus armengados sem muita convicção e também as arquibancadas feitas de madeira escura, dessas que a gente constrói o poleiro das galinhas. Diacho, prende os gatos dentro de casa, murmurava maquinalmente enquanto queimava numa raiva particular. Era sim o circo, vó. Aquelas luzinhas amarelas, enfileiradas, presas e embaladas pelo sacudir do vento, não poderiam ser outra coisa. À noite, sim, senhor, ia ter espetáculo.
Bastava os palhaços encenarem suas bobagens risíveis em mundos sem nada, bastava os leões nos engolindo num rugido ou mesmo os elefantes fazendo sentir o minúsculo coração, bastava isso para que o picadeiro inteiro fosse do tamanho dos nossos olhinhos. De um lado a outro, a pequena trapezista se equilibrava sorridente sobre a corda – queria algum dia ter essa sina feliz. Andar sem rumos nessa linha bamba, carregando na ponta da sapatilha apenas a leveza de si.
Sabia que estava diante de um sonho do tamanho do impossível. Não poderia, mesmo na mais corriqueira fala do apresentador, ter algo de palpável no que via. E, exatamente, pelo que via, pelo tal do grandíssimo encantamento que assolava suas ideias é que sabia não ser encenação, não ser maquiagem, não ser roteiro, não ser teatro. E sabia também não ser real, não ser possível e não ser como as coisas daqui. Porque era o circo. E talvez fosse desse encontro, sem maiores possibilidades futuras, que nascia, diante dos pequenos, vestígios de um tempo incontável – marcado somente pelos poucos passos amadores. E aí, sim, compreendia, era o tempo inescapável de envelhecer.