terça-feira, 9 de março de 2010

Março


Duas mangas e um abacate, senhor. É isso que sou agora. Contra qualquer tipo de pretensão moral, política e bobagens egocêntricas, é tudo o que sou agora. Perguntava-me, afinal, se aquilo seria a luta desesperada pela vida? Sim, era aquilo. Era precisamente daquilo que falavam as antigas canções, entoadas pelos mais velhos. A luta pela vida é tão intensa e perseverante que, mesmo quando não há mais vida, ela não desaparece. Continua ali, se debatendo num corpo vazio, degradado pelas intempéries e desonestidades do mundo, procurando perdida uma veia capaz de rasgar-se em vida.

Aquela criatura que certamente não percebia minha presença, que não me olhava, que não me sentia; aquela criatura morta, de miserável existência, que parecia não existir para mim, carregava dentro si algo impossível de ser tocado pela racionalidade bruta. Existia, dentro dela, a luta pela vida. Assim, assistindo nu à sua ferocidade absolutamente destemida engolindo-me, eu não era absolutamente nada – somente um abacate e duas mangas. E isso em mim, creio, também era a luta pela vida.

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