
Guimarães Rosa é o nosso melhor escritor. Ele consegue a proeza de ser melhor do que Machado e melhor do que Clarice. Sim, é possível. O que ele escreve, as palavras escolhidas, a cadência do texto e aquele jeito tão peculiar de construir o universo das suas obras são traços de grandiosidade inequívoca. Não acredito em dom, em talento nato, porque, além de ser uma forma fácil e simplista de resumir a competência de alguém, é bem preconceituoso, embora, no caso de Guimarães poderíamos pensar em casos de excepcionalidade.
"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração."
Conhecer outros idiomas foi a ferramenta que Guimarães usou para ser o autor com maior domínio sobre a própria língua. É de uma riqueza formidável: não só para explorar palavras, como também para construí-las, transformá-las, nos levar a imaginar um mundo a ser desbravado. Encantador.
Rosa escreveu pouco. Mas, calma, não tão pouco quanto a Emile Brontë. Em vida, Sagarana (1946), obrigatório na lista de vestibular da Fuvest-USP, Corpo de Baile (1956), Grande Sertão: Veredas (1956), Primeiras Estórias (1962), Noites do Sertão (1967). Mais outros tantos contos para periódicos e lançamentos póstumos desdobrados de outros títulos, como Manuelzão e Miguilim - primeira e maravilhosa obra que li dele. Miguilim, a propósito, ainda me deixa atormentado, esperando o dia em que eu, atravessando algum rua da metrópole, encontrarei com ele usando óculos e procurando informações sobre onde pode pernoitar.
O que me deixa realmente pasmo é, claro e mais uma vez, o nosso desprezo com esse acervo. Estou convencido de que 90% dos meus colegas de escola se formaram sem saber que o moço existiu e 9,99% marcaria a opção Prefeito de Cabaceiras do Paraguaçu caso fossem interpelados com a clássica pergunta: "Mas quem foi ele afinal?". E veja, estudei numa das melhores escolas dessa cidade, reduto da classe média pretensamente intelectualizada, formação católica, disciplina, anotações, etc. Então, por aí a gente já entende o que Guimarães Rosa representa para essa gente toda que mastiga frases de Içami Tibá e dorme com Zíbia Gasparetto debaixo do travesseiro.
Se é fato as pessoas entendem tanto de literatura quanto eu de física quântica, isso até poderia ser um sinal evidente de que precisaria controlar meus padrões de exigência e, conseqüentemente, parar de cobrar tanto de quem nada tem a oferecer. Só que não ser um especialista em física quântica ou qualquer outra coisa que as demais pessoas se consideram autoridades não me torna incapaz de saber quem foi e o que fez Galileu, Newton, Einstein, Lattes e, vejam vocês, Guimarães Rosa. Porque como ele mesmo escreveu: A cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total.
Entenderam, né?
"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração."
Conhecer outros idiomas foi a ferramenta que Guimarães usou para ser o autor com maior domínio sobre a própria língua. É de uma riqueza formidável: não só para explorar palavras, como também para construí-las, transformá-las, nos levar a imaginar um mundo a ser desbravado. Encantador.
Rosa escreveu pouco. Mas, calma, não tão pouco quanto a Emile Brontë. Em vida, Sagarana (1946), obrigatório na lista de vestibular da Fuvest-USP, Corpo de Baile (1956), Grande Sertão: Veredas (1956), Primeiras Estórias (1962), Noites do Sertão (1967). Mais outros tantos contos para periódicos e lançamentos póstumos desdobrados de outros títulos, como Manuelzão e Miguilim - primeira e maravilhosa obra que li dele. Miguilim, a propósito, ainda me deixa atormentado, esperando o dia em que eu, atravessando algum rua da metrópole, encontrarei com ele usando óculos e procurando informações sobre onde pode pernoitar.
O que me deixa realmente pasmo é, claro e mais uma vez, o nosso desprezo com esse acervo. Estou convencido de que 90% dos meus colegas de escola se formaram sem saber que o moço existiu e 9,99% marcaria a opção Prefeito de Cabaceiras do Paraguaçu caso fossem interpelados com a clássica pergunta: "Mas quem foi ele afinal?". E veja, estudei numa das melhores escolas dessa cidade, reduto da classe média pretensamente intelectualizada, formação católica, disciplina, anotações, etc. Então, por aí a gente já entende o que Guimarães Rosa representa para essa gente toda que mastiga frases de Içami Tibá e dorme com Zíbia Gasparetto debaixo do travesseiro.
Se é fato as pessoas entendem tanto de literatura quanto eu de física quântica, isso até poderia ser um sinal evidente de que precisaria controlar meus padrões de exigência e, conseqüentemente, parar de cobrar tanto de quem nada tem a oferecer. Só que não ser um especialista em física quântica ou qualquer outra coisa que as demais pessoas se consideram autoridades não me torna incapaz de saber quem foi e o que fez Galileu, Newton, Einstein, Lattes e, vejam vocês, Guimarães Rosa. Porque como ele mesmo escreveu: A cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total.
Entenderam, né?
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