
Se estava convicto de que não falaria mais dos filmes de Hollywood e de coisas que pairam num universo acima do meu, intocável, indisposto e indiferente as minhas opiniões e achismos, vou abrir uma singela e elogiosa exceção para comentar sobre Dúvida, do pouco conhecido mas muito competente, John Patrick Shanley. Vencedor do Pulitzer, dramaturgo e com fama de produzir grandiosas interpretações, Shanley, que além de diretor, escritor e responsável pela adaptação do roteiro ao cinema, construiu uma belíssima narrativa que tinha absolutamente tudo para dar certo, e deu. Mesmo porque uma produção que ostenta no mesmo elenco Philip Seymour Hoffman (vencendor do Oscar por Capote e indicado a ator coadjuvante nesse ano) e a Meryl Streep que dispensa a enumeração de prêmios visto que a lista é longa e esse texto pretende ser curto, passaria longe das suspeitas mais vigorosas. Perto deles, qualquer bom ator fica vulnerável. Num dado momento, a grandiosidade é tamanha que esquecemos que são atores encenando, emprestando o corpo, a voz e a alma à irmã Aloysius e ao padre Flynn, seus personagens e nos deparamos com duas pessoas conhecidas numa conversa corriqueira.
A narrativa não faz o tipo fácil, óbvia e comum. Para o público acostumado a embarcar numa locomotiva, conduzida pelo diretor, até a redenção final com a exposição plena e esmiuçada dos fatos e a constituição de uma verdade, certamente, decepção virá. Dúvida é uma metalingugem e uma metáfora de si mesmo. Não foi feito para ter certezas, ainda que como bem sinalize o padre Flynn, o poder e consistência da dúvida seja tão forte e poderosa quanto o da certeza. Nada mais discplicente se buscasse a apreensão do filme somente pelo seu argumento mais claro: houve ou não um caso de assédio sexual na Escola St. Nicholas? Seria o Padre Flynn um dissimulado, pedófilo e desequilibrado ou estávamos diante de um transgressor, de um visionário em busca de uma reforma profunda nos dogmas de uma Igreja Católica notadamente consevadora e hermética frente aos liberais anos 60 ? E quanto a irmã Aloysius, estava realmete seca como aquelas folhas de um outono severo se escondendo em baixo dos seus pés ou era uma mulher que acima da severidade matinha a coerência? Certamente não se pode esperar esperar sempre de um diretor ou roteirista a obrigação de saciar as dúvidas do seu público. Isso nem seria desejável.Quando bem construído, a técnica de explicar-pouco-provocar-mais funciona de maneira impressionante. O mesmo critério serviu para o também excelente Os Estranhos, filme de suspense e terror que realmente atende a prerrogativa básica de um filme desse gênero que é provocar o medo, o susto, o assombro. No caso da Dúvida, a sutileza e sofisticação, evidentemente, é maior. Aqui pouco importa a sua necessidade de saber um ponto de vista e se apegar a ele como um dogma imutável. Também não é o mais importante saber quem estava com a razão, quem estava mentindo, quem manipulou deliberadamente. É como no clássico Dom Casmurro. Ainda que as pessoas insistam maciçamente na discussão pouco racional, muito óbvia e de compreensão mais fácil para os muitos que não tem afinidade com literatura ou mesmo familiaridade com a análise do discurso, sobre se Capitu é adúltera ou não. O que conta no livro de Machado e no filme de Shanley é a construção da linguagem, é o poder dessa linguagem frente a construção da própria narrativa. É aí que reside o atrativo principal e, especialmente, no caso de Machado o toque de genialidade.
A câmera não pode se reduzir à tradução do mundo. Deve ser um recorde, uma abordagem específica, a apresentação de uma versão, o contar de uma história sob um determinado ponto de vista numa determinada cirscuntância, que ratifica a subjetividade humana e, conseqüentemente, provoca em todos o constante questionamento daquilo que se manifesta. Nesse jogo de pistas, reversos, alterações, construção e desconstrução, o roteiro dá movimento e essência aos personagens. Se num primeiro momento, tem-se a impressão de que a irmã Aloysius é um monstro medieval, num outro cria-se afeto e até mesmo cumplicidade e aprovação pelas medidas sérias adotas pela freira como única forma de manter a ordem, a ética e a integridade. E tem um leveza cômica, um riso de canto de boca, uma desconfiança constante. Entre os esconderijos e uma cadeia de pistas, que não podem ser definidas nem como falsas nem verdadeiras, chegamos ao momento que, a desconhecida e incrível, Violeta Davis contracena com Meryl Streep. Discutiam o comportamento do filho do personsagem de Violeta, o primeiro estudante negro a fazer parte de uma escola branca e de filhos de descendentes diretos de Europeus endinheirados. Enquanto Aloysius acreditava piamente na culpa do padre, disposta a expulsá-lo da escola a qualquer preço e claramente incomodada com o carisma, simpatia e progressismo de Flynn, o público, a essa altura, passa a desconfiar até mesmo da irmã James, personagem coadjuvante e de relevância considerável para a realização da obra. Acontece que a revelação de que a criança apanhava do pai porque se assemelhava com homossexuais seria a prova que faltava para culpar Flynn. A mãe, numa acesso impecável, afirma categoricamente que não interessa o que padre podia ter feito, abre mão de certa dignidade que também é posta em dúvida, sob a alegação aceitável de que num mundo dividido por tantas cores, diferenças e falta de oportunidade, o filho tinha alguém que o tratava como igual. Assim, ao invés de esclarecer algum impasse, cria-se outros questionamentos.
E mesmo na última cena, extremamente simbólica, em que a irmã James e a irmã Aloysius, se fundem numa só, tamanha a aproximação e reconstrução de identidades, a dúvida permanece inquieta, sorrateira e instigante. Tal como a América no ano de 1964, com a morte de JFK e a turbulência de tantas mudanças em marcha, e , exatamente. da mesma maneira que o mundo se encontra hoje. E o que agrada é a desconstrução constante de valores e crenças. Se isso não ajuda (por sorte) a entender o filme pela maneira convencional, ao menos pode servir para que as nossas cabeças iluminadas aprendam que aquilo que acreditamos é só a nossa verdade e qualquer tentativa de imposição sobre o outro senão inútil, é totalmente sórdida e por que não desproposital?
Na foto a dupla que só pelo encontro valeria qualquer filme.
A narrativa não faz o tipo fácil, óbvia e comum. Para o público acostumado a embarcar numa locomotiva, conduzida pelo diretor, até a redenção final com a exposição plena e esmiuçada dos fatos e a constituição de uma verdade, certamente, decepção virá. Dúvida é uma metalingugem e uma metáfora de si mesmo. Não foi feito para ter certezas, ainda que como bem sinalize o padre Flynn, o poder e consistência da dúvida seja tão forte e poderosa quanto o da certeza. Nada mais discplicente se buscasse a apreensão do filme somente pelo seu argumento mais claro: houve ou não um caso de assédio sexual na Escola St. Nicholas? Seria o Padre Flynn um dissimulado, pedófilo e desequilibrado ou estávamos diante de um transgressor, de um visionário em busca de uma reforma profunda nos dogmas de uma Igreja Católica notadamente consevadora e hermética frente aos liberais anos 60 ? E quanto a irmã Aloysius, estava realmete seca como aquelas folhas de um outono severo se escondendo em baixo dos seus pés ou era uma mulher que acima da severidade matinha a coerência? Certamente não se pode esperar esperar sempre de um diretor ou roteirista a obrigação de saciar as dúvidas do seu público. Isso nem seria desejável.Quando bem construído, a técnica de explicar-pouco-provocar-mais funciona de maneira impressionante. O mesmo critério serviu para o também excelente Os Estranhos, filme de suspense e terror que realmente atende a prerrogativa básica de um filme desse gênero que é provocar o medo, o susto, o assombro. No caso da Dúvida, a sutileza e sofisticação, evidentemente, é maior. Aqui pouco importa a sua necessidade de saber um ponto de vista e se apegar a ele como um dogma imutável. Também não é o mais importante saber quem estava com a razão, quem estava mentindo, quem manipulou deliberadamente. É como no clássico Dom Casmurro. Ainda que as pessoas insistam maciçamente na discussão pouco racional, muito óbvia e de compreensão mais fácil para os muitos que não tem afinidade com literatura ou mesmo familiaridade com a análise do discurso, sobre se Capitu é adúltera ou não. O que conta no livro de Machado e no filme de Shanley é a construção da linguagem, é o poder dessa linguagem frente a construção da própria narrativa. É aí que reside o atrativo principal e, especialmente, no caso de Machado o toque de genialidade.
A câmera não pode se reduzir à tradução do mundo. Deve ser um recorde, uma abordagem específica, a apresentação de uma versão, o contar de uma história sob um determinado ponto de vista numa determinada cirscuntância, que ratifica a subjetividade humana e, conseqüentemente, provoca em todos o constante questionamento daquilo que se manifesta. Nesse jogo de pistas, reversos, alterações, construção e desconstrução, o roteiro dá movimento e essência aos personagens. Se num primeiro momento, tem-se a impressão de que a irmã Aloysius é um monstro medieval, num outro cria-se afeto e até mesmo cumplicidade e aprovação pelas medidas sérias adotas pela freira como única forma de manter a ordem, a ética e a integridade. E tem um leveza cômica, um riso de canto de boca, uma desconfiança constante. Entre os esconderijos e uma cadeia de pistas, que não podem ser definidas nem como falsas nem verdadeiras, chegamos ao momento que, a desconhecida e incrível, Violeta Davis contracena com Meryl Streep. Discutiam o comportamento do filho do personsagem de Violeta, o primeiro estudante negro a fazer parte de uma escola branca e de filhos de descendentes diretos de Europeus endinheirados. Enquanto Aloysius acreditava piamente na culpa do padre, disposta a expulsá-lo da escola a qualquer preço e claramente incomodada com o carisma, simpatia e progressismo de Flynn, o público, a essa altura, passa a desconfiar até mesmo da irmã James, personagem coadjuvante e de relevância considerável para a realização da obra. Acontece que a revelação de que a criança apanhava do pai porque se assemelhava com homossexuais seria a prova que faltava para culpar Flynn. A mãe, numa acesso impecável, afirma categoricamente que não interessa o que padre podia ter feito, abre mão de certa dignidade que também é posta em dúvida, sob a alegação aceitável de que num mundo dividido por tantas cores, diferenças e falta de oportunidade, o filho tinha alguém que o tratava como igual. Assim, ao invés de esclarecer algum impasse, cria-se outros questionamentos.
E mesmo na última cena, extremamente simbólica, em que a irmã James e a irmã Aloysius, se fundem numa só, tamanha a aproximação e reconstrução de identidades, a dúvida permanece inquieta, sorrateira e instigante. Tal como a América no ano de 1964, com a morte de JFK e a turbulência de tantas mudanças em marcha, e , exatamente. da mesma maneira que o mundo se encontra hoje. E o que agrada é a desconstrução constante de valores e crenças. Se isso não ajuda (por sorte) a entender o filme pela maneira convencional, ao menos pode servir para que as nossas cabeças iluminadas aprendam que aquilo que acreditamos é só a nossa verdade e qualquer tentativa de imposição sobre o outro senão inútil, é totalmente sórdida e por que não desproposital?
Na foto a dupla que só pelo encontro valeria qualquer filme.
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