Quando o Fantástico exibiu ontem a reportagem sobre a perseguição dos gays em Uganda e, de um modo geral, no continente africano, não deu para contar quantos machões brasileiros coçavam o saco e se regozijavam com o projeto de lei que prevê pena de morte para homossexuais assumidos. É sempre recorrente, até pela facilidade de expor as feridas alheias, mostrar no outro os seus piores e mais graves defeitos. No Ocidente, externalizar a superioridade cultural, política e cognitiva não é exatamente um recurso novo, embora, com uma freqüência assustadora precisamos admitir, as roupagens tornam-se mais finas.
Como é sabido por metade das pessoas que concluíram razoavelmente bem o segundo grau, o pressuposto de que o homem, branco, europeu está notadamente há anos luz de qualquer outro povo foi exatamente o pretexto necessário para estraçalhar com a África. Começou no século XVI com os ibéricos e terminou (?) no século XX com a concretização da repartição africana pelo Velho Mundo, pensada nos anos de 1870, com a Conferência de Berlim e sumariamente executada nos idos da Primeira Guerra.
Tendo em vista que o imperialismo das potências ocidentais e todas as demais políticas/estratégias de controle da África marcaram a constituição cultural daqueles povos é, minimamente, curioso que o Ocidente busque se eximir de sua culpa quando ele mesmo pinta o quadro de vulnerabilidade, autoritarismo e desgraças ininterruptas que se abatem sobre o continente. No momento em que abomina a legislação de Uganda é indissociável a visão determinista que cerceia nossas concepções acerca do povo africano: selvagens, atrasados e abomináveis. E, certamente não é por radicalismo infantil, mas pela história que se passa, que não dá para se furtar sobre as questões raciais.
Afinal, existiriam outros termos para chamar os jovens universitários da Faculdade de Farmácia da Usp que incitaram os colegas a jogarem “merda” nos “viados” senão de selvagens, atrasados e abomináveis? Certamente não. Mas a nossa moral torta de classe média católica pedófila, no máximo, consegue arrancar apenas comentários de tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto, um mal entendido sem intenções de fomentar a homofobia. E o que dizer da bomba jogada no final da parada gay de São Paulo no ano passado? E dos grupos neozistas que assolam o continente europeu? E dos grupos conservadores dos Estados Unidos que preferem 10 torres gêmeas caindo no meio de Nova York a ter um gay no Congresso Nacional?
No final de Manderlay, trilogia de Lars Von Trier sobre a sociedade capitalista, Gracie, a mocinha branca, ao ver seus esforços de ajudar no desenvolvimento e emancipação de uma comunidade negra, que supostamente não quer ser ajudada nem emancipada, minguarem, toma pelas mãos o chicote e açoita-os no tronco. Num ato de fúria que parece justificar-se frente a selvageria e atraso daquelas pessoas, Gracie, fielmente representada na boa interpretação de Bryce Dallas, desconta sobre eles as suas verdades. Ao passo que o negro chicoteado, olha solenemente para ela e esclarece: “Só não esquecem de que foram vocês que fizeram isso com a gente”.
O que nunca é percebido no sublime absurdo alheio é o nosso próprio absurdo. Apesar de milhões nesse país e nesse mundo branco ocidental terem aprovado com louvor as medidas desastrosas do parlamento de Uganda, que ainda nem foram de fato aprovadas, o inferno é sempre os outros. E na história do mundo que nos contam, o inferno é sempre a África. Das boas intenções do Ocidente, o mundo já está cheio.
Como é sabido por metade das pessoas que concluíram razoavelmente bem o segundo grau, o pressuposto de que o homem, branco, europeu está notadamente há anos luz de qualquer outro povo foi exatamente o pretexto necessário para estraçalhar com a África. Começou no século XVI com os ibéricos e terminou (?) no século XX com a concretização da repartição africana pelo Velho Mundo, pensada nos anos de 1870, com a Conferência de Berlim e sumariamente executada nos idos da Primeira Guerra.
Tendo em vista que o imperialismo das potências ocidentais e todas as demais políticas/estratégias de controle da África marcaram a constituição cultural daqueles povos é, minimamente, curioso que o Ocidente busque se eximir de sua culpa quando ele mesmo pinta o quadro de vulnerabilidade, autoritarismo e desgraças ininterruptas que se abatem sobre o continente. No momento em que abomina a legislação de Uganda é indissociável a visão determinista que cerceia nossas concepções acerca do povo africano: selvagens, atrasados e abomináveis. E, certamente não é por radicalismo infantil, mas pela história que se passa, que não dá para se furtar sobre as questões raciais.
Afinal, existiriam outros termos para chamar os jovens universitários da Faculdade de Farmácia da Usp que incitaram os colegas a jogarem “merda” nos “viados” senão de selvagens, atrasados e abomináveis? Certamente não. Mas a nossa moral torta de classe média católica pedófila, no máximo, consegue arrancar apenas comentários de tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto, um mal entendido sem intenções de fomentar a homofobia. E o que dizer da bomba jogada no final da parada gay de São Paulo no ano passado? E dos grupos neozistas que assolam o continente europeu? E dos grupos conservadores dos Estados Unidos que preferem 10 torres gêmeas caindo no meio de Nova York a ter um gay no Congresso Nacional?
No final de Manderlay, trilogia de Lars Von Trier sobre a sociedade capitalista, Gracie, a mocinha branca, ao ver seus esforços de ajudar no desenvolvimento e emancipação de uma comunidade negra, que supostamente não quer ser ajudada nem emancipada, minguarem, toma pelas mãos o chicote e açoita-os no tronco. Num ato de fúria que parece justificar-se frente a selvageria e atraso daquelas pessoas, Gracie, fielmente representada na boa interpretação de Bryce Dallas, desconta sobre eles as suas verdades. Ao passo que o negro chicoteado, olha solenemente para ela e esclarece: “Só não esquecem de que foram vocês que fizeram isso com a gente”.
O que nunca é percebido no sublime absurdo alheio é o nosso próprio absurdo. Apesar de milhões nesse país e nesse mundo branco ocidental terem aprovado com louvor as medidas desastrosas do parlamento de Uganda, que ainda nem foram de fato aprovadas, o inferno é sempre os outros. E na história do mundo que nos contam, o inferno é sempre a África. Das boas intenções do Ocidente, o mundo já está cheio.