segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Lambe chão.


Estava prepararando um texto sobre o transporte de Salvador. Nunca é notícia velha o drama de que na terceira maior cidade do Brasil, o primeiro grande problema seja se lomover. A verdade é que já li e vi bastante sobre o preço da tarifa, o arrastão na Lapa, o ônibus vomitando gente pela janela, a margem de lucro da empresa, etc. E as dúvidas insolúveis ou motivada pela curiosidade infantil são massacradas na minha cabeça fervilhando de problemas. Algo que ninguém nunca li nem vi é como os próprios rodoviários transitam. A conversa que tive com o motorista da BTU esclareceu a minha inquietação boba: Se os ônibus em Salvador param de circular, a exceção dos corujões, que na fauna do transporte público da cidade é espécie em extinção, quem é que leva os motoristas para casa depois que eles param o ônibus na garagem? E quem é que leva quem levou o motorista? E, se as 4h da manhã alguns ônibus já começam a circular na cidade, como os rodoviários chegam para trabalhar na madrugada se na madrugada não tem ônibus? As prováveis respostas cor de rosa que eu sempre dava aos meus 12 anos eram:

1- A empresa dá prefêrencia a funcionários que moram perto da garagem.
2 - Cada empresa tem um dormitório com roupa de cama limpa e moça servindo cafezinho na noite.
3 - Tem um ônibus especial, como os do Polo de Camaçari.
4 - Eles pegam um táxi e a empresa os reembolsa mensalmente.

Ontem, saindo da Castro Alves, o executivo Praça da Sé - Imbuí, reconhecido pelo número de assaltos e pelo ar condicionado quebrado, foi a única opção para sair do caos provocado pelos fãs da antimpática Capital Inicial. Depois do motorista ter feito questão de dizer que só me levaria na Cardeal porque ele queria, dado que o horário dele já tinha sido completado e que, portanto, ele poderia ir para garagem, percebi que o fato do ônibus estar vazio era a oportunidade quase ideal para saber como os motoristas chegam em casa e voltam para o trabalho, na madrugada, numa cidade que não tem transporte público das 00h às 04h da manhã. Quase ideal porque o rapaz era do tipo que fazia trejeitos de irritação toda vez que seu desabafo ia ser interrompido. Com um pouco de insistência e de baianês, cavei a reposta desanimadora: "Cada um tem que se virar. As pessoas nessa cidade tem respeito por rodoviários e oferecem carona quando vê a gente esperando o transporte. Aconteceu isso hoje. O velhinho me viu parado e disse 'rodoviário tem que ser ajudado, vocês fazem a cidade funcionar' e me levou até a garagem". Tá, mas e quando não tem carona? "Olhe rapaz, tem um ônibus da empresa chamado Leva e Traz. É o manobrista da garagem que faz o circuito. Ele sai duas da manhã e volta umas três e meia. Vai deixando os motoristas que trabalharam na noite e pegando os que saem no começo da manhã." Ah, então, tem essa saída. "Mais ou menos, né? Porque se a gente acaba o serviço 23h40, a gente não vai esperar até as 02h da manhã. Prefere aventurar e ir catando nas linhas de outras empresas até chegar em casa. E pra chegar cedo também, o Leva e Traz não para na porta de sua casa. Você tem se dirigir pra rua que ele passa". E se ele passar numa rua distante? "Ai, pode complicar. Se não tiver carona, você vai andando ou espera pra ver se o Leva e Traz de outra empresa pode colocar você na rota". Tá, mas ficar no ponto de ônibus não é perigoso? "E ficar aqui no ônibus? Você acha que é seguro é? A gente se vira nessa vida, meu jovem". Só quem se vira aqui nessa cidade é quem não tem, eu acho. "Pois é, mas a gente até tinha uma moto. Aí facilitava, né? Porque a gente ia de moto e parava lá dentro da garagem. Sabe o que o dono da empresa fez? Pregou um aviso informando que estava proibido estacionar veículos dentro da empresa. Você acredita nisso? Gente esperta, malandra. E ainda teve a cara de pau, de indicar um lugar pra vender as motos da gente. Não dei ousadia e não vendi". Se duvidar, essa tal loja devia ser dele ou de parente. "Oxe, e você tem dúvida é? Olhe, a BTU, a Rio Vermelho, a Ondina, todos da mesma família. Uns espanhóis. Era uma empresa só, mas rico quanto mais tem mais briga. Ai estão meio separados. Ganham um dinheiro. Esses ônibus mais novos eles fazem é uma tal de franquia, não é nem empréstimo, porque não precisa. Num mês, já dá lucro". E quem trabalha mais no executivo, ganha mais? "Ganha essa roupa aqui e uma coleção de assaltos. Aqui a gente não ganha nada, nada. É um massacre. Já teve dia de fazer 16 viagens. Cada uma dura 1h. 15 minutos de intervalo não vou nem ao banheiro. E se você não cumprir a tabela, tá fora. Massacre, massacre mesmo. A gente só não lambe o chão porque a língua é pequena."

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Mas não me pode alcançar.


Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo.



Vendo fotos terrivelmente mal tiradas de um festa que reuniu 100% dos indieOTAs de Salvador, fico incrivelmente feliz de saber que existem pessoas piores que eu. Gente tosca e pretensiosa. Pra todas elas mando meu desprezo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Cinco considerações ou vida pós mundo.


1. Comprar 7 livros, num único volume, por R$15,90 é tendência, minha gente. Melhor investimento que fiz desde que passei a viver na linha da pobreza.

2. Abomino gente que diz que o mundo tá decadente. Por acaso alguém conhece aí a época de ouro da história?

3. É desesperador estar no penúltimo semestre vivendo como se tivesse sido aprovado no vestibular ontem.

4. O que se pode fazer quando se chega aos 21 e já não se acredita na sua carreira, em gente organizada, na possibilidade de ganhar na loteria ou, pior, no futuro ?

5. 18h. Ave Maria. Alguém aí por cima intercede porque o negócio aqui embaixo tá bem, mais bem por mais mesmo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Milton Nascimento




Elis uma vez disse que se Deus existisse, teria a voz de Milton. Deu vontade de falar dele hoje. Poderia escrever tantas coisas de várias músicas, mas acho que Elis já disse muito mais do que eu conseguiria.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Da dificuldade em dizer coisas.


O desejo mais óbvio de qualquer estudante às vésperas de se formar é ter muito dinheiro. Quer dizer, acho bem provável que esse seja o desejo de qualquer pessoa prestes a ter uma vida. O que certamente me diferencia das criaturas que agonizam na fila da loteria é que, definitivamente, ter dinheiro não me tiraria apenas da pobreza material. Ainda que, combinemos, isso seja altamente louvável. Enquanto meus pares contemplam o Morada dos Cardeais e se deliciam com a possibilidade de terem seis dígitos na poupança, eu tento calcular se é realmente possível comprar a coleção de Monet, Degas ou Portinari depois de ter montado um museu de Van Gogh para uso exclusivamente pessoal. Com o dinheiro que vou ganhar trabalhando como escravo numa Universidade sucateada, nem falsificações eu conseguirei. Acho que poderia parar aqui com a prosa. Tudo o que eu pretendia dizer era que gostaria de ir embora dessa cidade, desse país, acordar a cada dia num lugar novo, esquecer de muitas coisas e viver um período nas montanhas. E o problema é só um. Veja, eu nem imploro muita coisa. Custa muito deixar Salvador? Não. Custa muito deixar o Brasil? Menos ainda. Conhecer gente nova? É até prazeroso. Viver nas montanhas? Gente, teria maior benefício pra conceder a humanidade do que esse??? Acho que não. Mas eu, entregando o braço em troca de umas moedas, vivo praticamente na linha da pobreza. E não existe nada mais degradante do que receber chicotadas e ser rodeado por pessoas deliberadamente inferiores. Mentalmente inferiores. Incapazes. Posso não abominar todas essas pessoas que viajam para Amsterdam porque acham que liberar maconha é mais legal do que a casa de Rembrandt? Tem outro sentimento que não seja desprezo por todas as pessoas que, sei lá, gastam 3 mil reais ouvindo Bel Marques perder a voz enquanto você não tem 3 mil reais pra chegar até a casa de Neruda em Valparaíso? Pode existir sensação pior do que gente fyna e ryca que fala amega e acha que Vidas Secas foi o maior trauma da escola? Quer dizer, é direito legítimo ficar profundamente aborrecido. Perder a paciência e um pouco da razão. Via de regra, quem sai da vida tacanha pra se banhar na luz, volta correndo pra se esconder embaixo dos lençois. Mundo desigual, have a nice day.

Foto: Maragogipe.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

A espera de um telefonema.



Ontem Luamorena me disse que acessou o blog. Ela procurou no google o nome dela e pá, caiu aqui. Temeroso, asi estoy yo. Porque se eu exclui esse blog da página de recados do orkut, do perfil e do mundo visível seguramente era com a intenção de escrever abertamente. E tem uns posts meus que foram além da proposta de rodar tudo. Temeroso, asi estoy yo. Enquanto, Sebastião vai levando leite no carrinho, eu andei me perguntando como seria o dia em que deixaria Salvador. Sorrateiramente, escancaradamente e fugazmente.

Mari Betha, minha companhia de horas desoladoras. Cada um tem seus mistérios, seu sofrer, sua ilusão. Casinha Branca