
Tudo tem andado como há sete meses atrás. Quer dizer, quase tudo. Não tem mais o carnaval, não tem mais as tantas expectativas de antes, também os meus amigos já não são mais os mesmos, eu nunca tive tão pouca fé nas pessoas e no mundo como tenho hoje, e agora eu passo as horas vagas entre a cama, o computador e um livro sofrível do Neil Gaiman, Coisas Fragéis. Ando sem vontade de tudo e não consigo mais olhar para o quarto, para a cama, para o livro e pra essa vidinha mais ou menos de sempre. Em compensação, nesses sete meses acho que me tornei mais decidido, independente e fazendo menos questões de muitas coisas, deixando aos poucos de precisar fazer tipos pra não magoar pessoas que não mereciam tanto valor ou atenção. Ficaria atordoado com a persperctiva desse ano acabar dessa forma. Então, eu decidi que viajo dia 06 de setembro. Decisão importante tomada a muitos custos e a base de muita determinação. Mas da viagem eu falo depois.
Meu pai e minhas duas dias por parte de mãe ou se preferir meu pai X minhas duas tias por parte de mãe, já que apesar de habitarem a mesma cidade eles se ignoram completamente, querem que eu vá pra Ubaitaba antes de partir. A cidade nunca me soou tão inóspita quanto agora. Eu não gosto mais de lá, sabe? Na infância, deu pra correr, inventar monstros e mundos fantásticos, desenvolver minha imaginação e me arriscar a ser menos ignorante. Mas quando a gente cresce, sob a égide de uma metrópole, as coisas ficam bem diferentes e começamos a perceber que há transformações que alteram o cursos das coisas para sempre, mudanças que sabemos, no íntimo, serem irreversíveis. E, por isso, fico resistindo tanto a voltar. A cidade é moldada nos padrões da desigualdade urbana do Brasil: 1% da pequena população constitui o topo, e 99% sobrevivem com muito pouco e com muitos filhos. Em ano de eleição, a cidade se movimenta porque chega o momento de decidir quem serão os agraciados pela máquina pública com dinheiro e poder. Fora isso, as coisas só conseguem romper o banal e o corriqueiro em época de São João (que eu detesto) ou quando alguns tantos se reúnem em botecos emporcalhados pra falar da vida alheia, o que, definitivamente, não me parece muito interessante. Nas últimas vezes que fui lá, permanecia tanto tempo em casa que quando fui embora senti falta das paredes do quarto. Até mostrar a cara na varanda estava virando raridade. Azul, amiga há algumas datas do Isba, me chamou pra ir pra Ilhéus. Isso me estimulou. Ilhéus pode ser um lugar bom com pessoas certas. Eu também tenho parentes lá. São pessoas legais, bonitinhas, com emprego fixo, que iam me tratar super bem caso quisesse ficar na casa de algum deles ou no hotel da família. Mas não ia dar certo. Faltaria assunto da hora que eu acordasse até a hora do jantar e já não consigo mais puxar assunto perguntando como anda o futebol ou ensaiando piadinhas sobre o fracasso de Felipe Massa na última corrida.
Sob certa medida, esse foi um tempo que deixei de fazer questão de muitas coisas e firmei outras tantas concepções sobre tudo e todos. Sei que isso pode ser passageiro, mas passei a dar muito mais valor a momentos, ao tempo presente e esquecer de algumas coisas e pensar em outras como projetos de vida. E minha vida, nesse momento, passa por sair um pouco do ambiente de casa, de coisas que me ligam a vida pregressa à Salvador, e também dar um pouco de tempo para as pessoas e amigos que tenho aqui - respirar novos ares e ver como as coisas serão quando voltar. E, apesar da gente sempre se divertir muito com coisas toscas e caminhadas torturantes, acho que não vou ver Azul, nem Ilhéus nem Ubaitaba. Mesmo com todos os problemas e toda a preocupação e todo o estresse desses sete meses, agora posso sentir que estou aprendendo a vez de me lançar. Então, viajo dia 6 para São Paulo. Posso ir pra Dublin, estudar inglês e artes, mas posso seguir viagem por toda a América Latina, sonho acalentado antes de Diários de Motocicleta virar blockbuster. Tenho 23 dias para decidir algo muito importante para minha vida e, no entanto, tudo que consigo pensar é no que vou fazer daqui a 30 minutos. E estou absolutamente tranqüilo.
A saudade da escola diminuiu bastante. As pessoas com quem eu queria estar continuam comigo num encontro imprevisto, num telefonema, num recado, numa piada, num ponto de ônibus e nas lembranças. Algumas se afastaram e naturalizei isso como sendo apenas caminhos que se encontram durante uma longa jornada, mas que se separam quando chega a hora. Por mais que as pessoas não se vejam, não se falem, não se olhem, existiu um momento, impossível de ser apagado com ódio, em que estiveram juntas e isso, acredito agora, tem um peso muito forte na continuação da nossa caminhada. Por outro lado, outras pessoas chegaram e ando refletindo sobre o efeito que elas tem provocado em minha vida. E é bem assim que tenho passado minhas horas, meus dias e meus sete meses: pensando, agindo, roendo unhas, aproveitando os dias, as festas, a praia, essa cidade linda e algumas tantas pessoas que ainda valem a pena.
Essa é uma das músicas mais bonitinhas que eu descobri indo num desses inúmeros shows desse ano:
(Composição: Gonzaga Jr)
São coisas dessa vida tão cigana
Caminhos como as linhas dessa mão
Vontade de chegar e olha eu chegando
E vem esta cigarra no meu peito
Já querendo ir cantar noutro lugar
Diga lá, meu coração da alegria de rever essa menina
E abraçá-la, e beijá-la
Diga lá, meu coração, conte as histórias das pessoas
Nas estradas dessa vida
Chore essa saudade estrangulada
Fale sem você não há mais nada
Olhe bem nos olhos da morena
E veja lá no fundo a luz daquela primavera
Durma qual criança no seu coloSinta o cheiro forte do teu solo
Passe a mão nos seus cabelos negros
Diga um verso bem bonito e de novo, vá embora
Diga lá, meu coração
Que ela está dentro em meu peito e bem guardada
E que é preciso mais que nunca prosseguir
Espere por mim, morena
Espere que eu chego já
O amor por você, morena
Faz a saudade me apressar...